quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

conectados

     Não importa o quanto ela o queira mal, ela ainda se importa. Não de um jeito bom, consigo ver de longe, mas o velho discurso de que quando você odeia você ainda se importa está mais que válido para eles. Ou para um deles. Ela quer vê-lo sofrendo muito, tem o desejo de irritá-lo e ignora o fato de que irá sofrer junto. Pode até se tornar pior que o sofrimento dele, porque ninguém sabe ao certo se ele sabe o que é sofrer. Atingir ele pode não fazer efeito para ele, só para ela. E essa é a última coisa que ela quer, e é a última coisa que quero para ela. Tudo o que surtir efeito (mesmo em teoria) nele, surtirá (muito mais que somente em teoria) nela. Essa conexão dificilmente pode ser desfeita, esse laço parece tão inquebrável sob todos os aspectos observados, mesmo sendo ruim e fazendo mal para ela, a tal conexão continuará lá. Só há uma maneira disso tudo acabar; somente a força dela pode afastá-la dela mesma. E eu sei que ela tem essa força, eu consigo ver além do que eles veem. Vejo uma força escondida, atrás de um certo laço intocado. 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

e amanhã?

E eu não sei o dia ou a hora que isto está sendo lido, mas posso lhe garantir uma coisa: haverá um amanhã. Seja daqui dez minutos ou mais de doze horas, não interessa, já que a única certeza que temos é que o amanhã vai chegar. Para alguns essa chegada pode ser interrompida durante o caminho, mas o propósito não é esse. O fato a que quero chegar é que, mesmo sabendo que o amanhã virá, você não sabe o que virá com ele. A temperatura pode mudar drasticamente com frentes quentes e frentes frias aparecendo de todos os lados. Seu humor tanto pode despencar em uma questão de segundos como pode dar uma guinada de uma forma inacreditável até para você. Você pode sentir fome como nunca antes ou pode passar o dia todo enjoado. O que está a caminho pode ser o dia em que você mais distribuirá sorrisos ou o dia em mais precisará fingi-los. As lágrimas aparecerão? Verá alguém além de seu próprio reflexo? O que será de você quando o amanhã chegar? O que eu mais queria era a percepção de que planos podem ser feitos, mas então que não sejam seguidos a cada passo dado. Aprenda a se arriscar, ser feliz sem planejamento, surpreender-se, seja essa surpresa boa ou ruim, não importa. Nada importa, você não sabe o que vai acontecer amanhã. Nessa viagem que todos entramos sem pedir, nada é garantido. Não perca mais tempo, o amanhã está mais próximo agora que quando você começou a ler esse texto.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

uma boa garota quer um relógio

    Quando chega essa época, não consigo escapar de velhos hábitos. Os pedidos ficam constantes e os agradecimentos são praticamente esquecidos. Erro meu, tenho plena noção, mas um mundo inteiro se une com um mesmo objetivo, o de celebrar uma época que contagia até aquele que não crê. Uma época como essa não pode ser desperdiçada. Venho por meio deste, então, deixar transparecer minha crença na magia. Ria, eu não me importo. Eu acredito na áurea que surge com o início do mês e isso me dá o direito de pedir. Ou você ainda achava que seus pedidos se tornariam reais após você gritar aos sete ventos que não acredita em nada disso? Doce ilusão de natal, meu caro.
    Falando nisso, essa é a hora. Tudo está tão material ultimamente, os pedidos resumem-se em carros e casas, viagens e dinheiro em abundância. A saúde está sendo deixada de lado, e junto com ela a educação e a qualidade de vida. Parece-me que a cada dia que passa cresce o número dos que trocariam seus conceitos de boa vida. Por dentro nada mais importa, afinal o coração é só algo que faz você viver. Só.
     Vou me contradizer, mas prometo me explicar. Eu não sei se fui uma boa garota esse ano. Sinto que fui, se for ver superficialmente. Na escola, passei de ano; em casa, ajudei no que pude; fiz novos amigos, conheci novos lugares e fui muito feliz. Definitivamente isso pode ser considerado algo que uma boa garota faria em um ano. Mas eu passei disso... tudo que vivi esse ano - e que ainda não acabou, eu juro - foi muito mais que simplesmente 'bom'. Quero viver duas vidas no próximo ano, revivendo tudo que passei e escrevendo meu novo caminho. Eu posso?
    Não.
    Eu sei. E preciso de algo possível...
    Quero um relógio não comum bem grande, quero pendurá-lo na parede do meu quarto. Quero ele bem detalhado, para ter a consciência de que cada segundo eu farei valer a pena. Quero ponteiros que possam passar mais rápido ou mais devagar, como e quando eu quiser. Quero ver meus momentos mais importantes gravados dentro dele. Quero as músicas que me inspiram ao invés do tic-tac usual. Quero uma tecla reversa, para que no fim eu tenha a opção de recomeçar, e, no começo, se eu simplesmente me cansar, posso pular diretamente ao fim. Quero tanto em tão pouco, e tão pouco em tanto, mas meu egoísmo me estimula a continuar querendo. Desculpe-me, não fui uma boa garota.

domingo, 5 de dezembro de 2010

um encontro

    O céu era o ponto de encontro. Melhor dizendo, o ponto de encontro parecia o céu para eles. Fazia-os sentir como se nada mais importasse, só aquele momento compartilhado. Comparava-a ao sol, sempre espalhando sorrisos por onde passava, emanando calor e energia até pros pontos mais obscuros. Sentia como se a lua estivesse com ela quando ela estava com ele, simplesmente acalmando-a com a áurea serena que passava em qualquer momento que seus olhos voltavam-se para cima. Parecia sempre tudo tão encaixado, tão feito para estar em sintonia.
    Em pouco tempo, porém, tudo se desfez. Pelo dia, nuvens encobriram o sol reluzente, fazendo daquele dia um dos que ficamos em dúvida se nosso planeta girou do jeito correto. À noite, as mesmas nuvens ocultaram o brilho da lua. A decepção de ambos foi tamanha que o sentimento se espalhou por todo céu. O pesar fez as nuvens lamentarem o ocorrido; como forma  de demonstrar tamanho arrependimento, choraram por horas e horas sem parar. Sem momento para fôlego, continuaram até a força incrível do sol fazer com que elas se afastassem. Haviam outros ali que precisavam dele e de seu calor, não podia desapontá-los e abandoná-los por um capricho sentimentalista. Era hora de ser forte. A lua, por outro lado, aproveitou a fase para sumir por uns dias. Nunca mais foram vistos juntos, completando um ao outro como sempre faziam.
    As nuvens estiveram sempre com a plena consciência de que causaram todo aquele desentendimento. Seus egos, porém, não deixavam que se desculpassem. Apareceriam uma vez ou outra, mas se sentiam tão culpadas que não tinham mais tanta coragem de ofuscar qualquer um dos brilhos. Sabiam que pelo dia todos percebiam o quanto elas podiam ser cinzas e rabugentas; e pela noite, denunciavam-se na falta dos pedaços de lua espalhados por todo o céu escuro.
    Até que um dia, quando nenhum dos dois estava muito lembrado de todo o ocorrido, as pesadas nuvens decidiram unir suas forças para a junção dos dois pólos. Apreensivas, fizeram de tudo para que seus planos se confirmassem e, exatamente na metade do caminho e do tempo, quando os dois supostamente sempre se viam de longe, as persistentes nuvens fizeram-nos um encontro. Até hoje ninguém sabe o que foi; a teoria de muitos é de que os dois sumiram juntos, enquanto outros poucos acreditam na junção dos dois em um só por um curto espaço de tempo. Cabe a você olhar para o céu, que um dia foi totalmente deles, e decidir seus destinos. Escolha entre o ápice e o obscurecimento. Batize o encontro que as nuvens sempre chamam de eclipse.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

fechado para balanço

E esse primeiro dia do último mês não parece perfeito para um balanço geral? É o dia certo para abrir aquela lista de resoluções de Ano Novo que você fez no último dia do ano que passou. É só para mim que isso parece ontem? É hora de ver se seus objetivos foram cumpridos, é hora de ver o que você deixou de fazer. O que aconteceu para tantas coisas ficarem perdidas somente na promessa de serem feitas? Algo lhe impediu. Ora se não foi você mesmo! Veja se não faltou vontade nesse ano que passou; nenhuma promessa cumpre-se sozinha. Não comece a pensar nas promessas que virão, ache tempo para cumprir as que ainda estão pendentes. Você ainda possui 31 dias. Mexa-se. Afinal, chegou o primeiro dia realmente próximo do fim. Olhe para si e veja se está pronto para adentrar em mais um desafio de mais um ano. Pense no que virá. Certifique-se do fato, e isso eu posso lhes garantir, que seu ano vai ser muito mais do que você pensa; tudo o que você pensou que pode acontecer, acontecerá em proporções bem maiores. Esteja preparado. Pense que esse pode ser o melhor ano que você já viveu. Esteja ciente de que algo pode torná-lo o mais doloroso. Concentre-se em manter apenas as pessoas que lhe fazem algum bem perto de você. Resolva suas pendências. Não adentre o novo ano com inimigos, um novo ano não merece velhos desentendimentos. Fortifique-se para novas batalhas, saiba que a guerra não acabará nesse novo ano. A guerra nunca acabará. Mesmo após seu último fechar de olhos, alguém permanecerá lutando por você. Lute por você e por ele também. A guerra não terá um fim próximo, a luta pode fazê-lo cansar. A primeira visão pode desanimá-lo, nem tudo vai sair como suas esperanças. Porém não se preocupe tanto, mesmo passando por maus bocados, no próximo primeiro dia do último mês você parará novamente. Não no mesmo lugar nem do mesmo jeito, muito menos com os mesmos pensamentos, mas você parará. Fechará suas portas por alguns minutos e fará outro balanço. Garanto a você, que mesmo você considerando, por diversos motivos, o pior ano que você viveu até então, algo, quando lembrado, lhe fará sorrir. Nunca se esqueça de sorrir.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

só uma questão de fechar os olhos

E é só fechar os olhos que meu mundo toma forma. Um mundo onde eu decido o que vai ou não acontecer, quem vai aparecer e quem eu simplesmente vou deixar fora de tudo. Onde eu decido quais atitudes merecem meu respeito e quais eu simplesmente posso abominar com todas as minhas forças. Decido quais momentos pedem que o tempo passe mais devagar e quais são dignos de um salto drástico. De repente me livro de todo o mal. Livro-me do som pesado e do tempo fechado; de pensamentos negativos e más influências; maus hábitos e bons costumes. Fecho meus olhos pra violência e abro-os ao meu mundo. O que começa escuro se torna minha definição de clareza. Minhas decisões tornam-se mais fáceis, as pessoas que circulam não conhecem a droga que tanto me aborrece. Meu céu é sempre azul. Meu mundo não existe. Algo me força a abrir meus olhos, a sair de onde quero ficar pra onde estou. Pisco repetidamente, mas a visão embaçada do mundo volta, o mundo confuso e sem objetivo é o real de agora. O céu fica totalmente cinza. Meu mundo não existe. Tento fechar meus olhos novamente...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

zero absoluto

    Às vezes eu queria que existisse uma câmara que chegasse ao zero Kelvin, o zero absoluto. Sabe, o zero que é mesmo zero, em que tudo simplesmente some. Que algo entrasse na câmara e pronto, desaparecesse no ar, sem possibilidade de reação com oxigênio e regeneração do corpo. Queria colocar pessoas lá dentro, problemas, provas e dilemas também. Decisões difíceis. Previsões do tempo. Inutilidades. Propagandas e horários eleitorais. Reuniões. Demissão, perigo. Inseguranças e indecisões; desilusões. Decepções, brigas e traições. Queria simplesmente me fazer entender que todos nós temos uma câmara de zero absoluto. Só depende de nós para conseguir pegar um problema e fazê-lo sumir. Liberte-se.

Queria aproveitar o final do ano, para relembrar um texto meio geek escrito no começo desse segundo ano. E, por fim, obrigada por mais esse ensinamento, Rui!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

minha chuva

    Trovoadas roncam lá fora enquanto outras trovoadas eclodem dentro de mim. Meu apetite abre, meu coração acelera e a indecisão aumenta a cada batimento. Bom seria se cada problema dissolvesse em uma gota de chuva e escorresse para longe. Para o rio, onde a correnteza o afastasse mais ainda. O único problema é o fato das chuvas serem passageiras, e a mesma água que corre pelo rio, volta para cada casa da cidade. Inclusive a que eu moro, trazendo-me todas as aflições de volta.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

princesa solteira feliz para sempre

    - E por que não me esperasse? - foi a pergunta que fizestes a ela.
    - Até a Rapunzel, reclamou da longa espera por seu príncipe. - Ela respondeu secamente. Se não percebestes, ela estava realmente cansada disso tudo.
    - E o que eu tenho a ver com isso? Você nem ao menos é a Rapunzel...
    - Por isso mesmo. Princesas tendem a ser perfeitas, eu não. Princesas sabem o certo a se fazer sempre, eu não. Princesas têm paciência para uma espera de uma vida devido a algum tipo de maldição, e eu definitivamente não!
    Tu continuavas sem entender nada, não é? Tua sorte foi que, mesmo irritada e cansada de todo aquele discurso que estava fazendo para não entenderes, ela teve a paciência de te explicar. Aposto que ela até desenharia pra ti se necessário fosse.
    - O que eu quero te dizer é que não aguento mais tudo que acontece. Eu realmente cansei dessa confusão toda e dessas decepções que continuam me assolando. Cansei de ter de ser perfeita, de correr atrás e ter de fazer tudo. Cansei de todos me olharem como exemplo. Cansei do que esperam de mim e cansei de esperar pelo príncipe que todas têm de esperar. É por isso que agora eu te digo pra ir embora, eu realmente não nasci pra essa história encantada que a vida não é. Devo ter nascido para ser uma princesa de conto de fadas feminista.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

(não) siga por ali

Esse é o momento que não vejo mais um caminho na minha frente. Nada de setas, placas ou letreiros dizendo pra onde tenho que ir e com quem devo ir. Mas também não quero mais saber de pessoas dizendo pra onde vou, a partir de agora quero fazer o meu caminho! Nem que pra isso precise sofrer para tirar obstáculos da frente. Tenho uma faca na mão e tenho que ir cortando os galhos pra fazer uma nova trilha. Mesmo cheia de reviravoltas, vou. Vou pensando em encontrar minha árvore, aquela que dará sombra suficiente para descanso. Vou cortando galhos secos para fazer minha passagem. Apenas tendo o cuidado para não cortar muito meus dedos quando cortar raízes mais profundas. Esses cortes machucam e podem fazer sangrar por um bom tempo. Mas nada que não se resolva. Dizem que o tempo cura tudo, até o que se parece tão impossível. E no final, olho pra trás e vejo a trilha que deixei. Uma trilha sem pontos escuros, uma trilha verde, cheia de árvores, que sempre estiveram ao meu lado, e que eu fiz questão de nem encostar minha faca.

sábado, 30 de outubro de 2010

provocação

   Ela destrancou a porta que dava para os fundos da casa. Era de vidro, mas como já era noite não conseguia ver se realmente havia alguém por ali. Sabia que seria rápido, só pentearia seus cabelos e voltaria para o filme que estava vendo.
   Ao abrir a porta, notou a presença de alguém ali. Reconheceu-o mesmo no escuro.
   - Ei, não esperava te ver aqui.
   Ele olhou para ela e sorriu. 
   - Estava com saudades dela, daí...
   - Sei como é - ela riu e começou a pentear seus cabelos - Sabe... teu amigo me irrita.
   - Aquele amigo ali? - ele apontou para o escuro. Ela deu um passo a frente torcendo para que aquela sombra não fosse o tal amigo ali parado. Analisou a sombra: mais alta que ela, mais forte que ela. Droga. Seus olhos começaram a se acostumar com o escuro daquele lado. Loiro, sorriso brilhando e, como sempre, desafiador. Droga.
   Os dois riram e ela ficou sem graça. Olhando para o primeiro, falou:
   - É, aquele amigo.
   - O que ele te faz pra te irritar tanto?
   - Incrível, sabe a hora certa de me provocar... - seus cabelos estavam quase completamente penteados; logo sairia dali. Só não sabia mais se era isso que queria.
   A sombra sorria, era isso que mais queria: provocar.
   - Então ele consegue te provocar... Engraçado, porque é exatamente o que ele sempre reclama que você provoca nele.
   - Ele reclama?
   - Tá na minha hora, eu acho... É, vou indo. Sinto que preciso ir. Fique bem aí com a escuridão, mocinha.
   Ele saiu rindo, sobrara ela e aquela sombra. A sombra se aproximava cada vez mais, com seu sorriso dando-a a impressão de iluminar toda aquela área. A provocação ia, afinal, recomeçar e de repente ela esqueceu de seus cabelos ainda molhados e do filme que estava vendo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

quero um fim para o fim

Tudo chegou ao fim. Se for ver, tudo sempre chega ao fim. E nem sempre ao fim que queremos. O fim que eu quero nunca foi o fim que terminou, porque nunca espero por um fim próximo. Gosto de continuidade. Gosto de um sentido ligado a outro, gosto das coisas entrelaçadas e caminhando juntas. E por isso não admiro o fim. Prefiro muito mais o começo, que com seus desafios torna tudo tão saboroso e tão inesquecível. Gosto de ser desafiada a começar algo que ninguém ainda começou, gosto do tentar, do descobrir, gosto de arriscar o que tenho. Colocar tudo a perder. Mas ao mesmo tempo não gosto de perder. Perder é o fim. O fim da batalha, mas não o fim da guerra. Mas o fim a qual cheguei hoje pela manhã não foi nem um fim de batalha. Foi um fim de algo no caminho... Um caminho ainda longo que tenho a trilhar e um fim que veio para marcá-lo de uma vez por todas. Mas eu não tenho direito algum de reclamar, algumas coisas só terminam porque permitimos que cheguem ao fim.

domingo, 24 de outubro de 2010

minutos pensando

O tempo passa quando menos devia. Vejo passado e futuro entrelaçados, e não sei se quero algum dos dois. Possibilidades surgem como a água que cai do céu, como se fosse natural. Meu sistema recusa tudo e todos. Sistema egoísta, teimoso e frio, que realmente não sabe o que fazer. Pode passar a maior imagem de antipático, mas no fundo só tem suas dúvidas. E mesmo sabendo que pensar nelas sempre acaba em um modo pior, é só isso que consegue fazer...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

tenho pessoas na minha estante

    Cada livro em minha estante poderia ser uma pessoa. Cada pessoa em minha vida poderia se resumir a um livro. Páginas e mais páginas que mais me envolvem a cada minuto que gasto tentando decifrá-las. Um novo desafio a cada linha lida. Um novo desafio a cada dia de convivência.
    Meu vício por livros, então, pode me transformar em uma viciada em pessoas. No ser humano e em cada face que ele possui, em cada movimento e cada expressão, cada nova linha atiça meu ímpeto curioso. Decifrar é um verbo presente em minha vida, presente sempre em meu livro.
    Em momentos especiais como esse, quando faço o que me faz bem, o que liberta meus dedos para voarem livre pelo local ao qual pertencem, basta só olhar para frente e ver algumas capas. Algumas antigas, surradas pelo tempo; outras novas, brilhantes sob a luminosidade artificial. Simples pretas e brancas, demonstrando seriedade e tristeza, ou cores vibrantes simbolizando o tão esperado final feliz. Olho para frente e imagino cada personagem saindo daquelas páginas escritas por amantes como eu e levando a vida que levo. Sobreviveriam eles nesse mundo? Aposto que sim. Cada personagem traz consigo o espírito de batalha, já que até mesmo em um conto de fadas perfeito, há obstáculos a serem superados. Cada personagem traz consigo o espírito de batalha, já que até mesmo em uma vida perfeita, há obstáculos a serem superados. Por isso admiro-os tanto. Tanto os livros como os seres humanos, que ao final de tudo, no último capítulo, resumem-se ao mesmo ponto: alguns agradam seu gosto, outros não; são julgados por suas capas constantemente, e mesmo possuindo conteúdos dos mais variados, possuirão sempre o mesmo formato ideológico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

abra seus olhos para o futuro

- Claro. Até parece que as coisas eram maravilhosas quando todo mundo era feio. Ou será que você perdeu essa aula na escola?
- Eu sei, eu sei. Todo mundo julgava os outros pela aparência. As pessoas mais altas conseguiam empregos melhores, e o povo votava em certos políticos só porque eles não eram tão feios quanto a maioria. Blá, blá, blá.
- Isso aí. E as pessoas se matavam por coisas como uma cor de pele diferente. - Tally balançou a cabeça. Por mais que repetissem aquela história dezena de vezes na escola, ela nunca tinha acreditado de verdade. - Então, qual é o problema de as pessoas serem mais parecidas agora? É o único jeito de tornar as pessoas iguais.
- Poderiam pensar numa forma de deixá-las mais espertas.
Feios - Scott Westerfeld


    É o que diz um livro "futurista". O mundo feio a que se referem é o mundo em que vivemos. Os tais juízes julgando a tudo e a todos a que se referem somos nós!
    Será que é isso que queremos para o nosso futuro? O tal futuro que todos dizem ser um lugar melhor realmente irá se transformar em um mundo onde para ser aceito você precise passar por uma cirurgia para reconstruir-se... trocar cabelo, cor dos olhos, pele e estruturação óssea? Espero que não.
    Não quero ser tratada como feia no futuro, nenhum de nós somos feios! Somos diferentes, isso é elementar, e são essas diferenças que eclodem nossas guerras. Está na hora de parar para pensar, um livro de ficção científica pode não ser tão ficcional assim. 
Abra seus olhos para o futuro, ser feio!

sábado, 16 de outubro de 2010

porta de sempre

    Ela sobe os degraus daquela tão conhecida escada. Prefere-as ao elevador, assim ganha mais tempo para pensar no que está fazendo. Como se ela não soubesse que não vai pensar em nada. Nessas horas o cérebro se desconecta do resto do corpo e parece não agir. Agir pela razão torna-se impossível.
    Segundo andar. Lembra de todas as vezes que foi com ele até esse mesmo lugar. De tudo que ouviu dele, de toda a ilusão que aquilo lhe causou. Nem de doce ilusão pode-se chamar.
    Terceiro andar e lembra dos momentos bons que passaram, do jeito que só ele conseguia fazê-la rir. Das piadas sem nenhuma graça que ele parecia ter na ponta da língua no momento que ela não queria ouvir gracinha nenhuma. Ela não resistia e ria.
    Quarto andar. Ela lembra do nervosismo do dia que se encontraram, de como, nesse momento, ela queria reviver aquele dia de outubro.
    Quinto andar e suas pernas estão quase doendo tanto quanto seu coração. Parece que achou um jeito de não sentir uma dor: criando outra.
    Sexto andar, porta 602. Ela bate, seu coração bate. Ela bate mais forte, mais rápido, mais alto; seu coração bate mais rápido, mais pesado. Ela não pensa em desistir, a única coisa que pensa é o motivo pelo qual seu coração insiste em bater sempre na mesma porta que se fechou.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

você

    Você, de amizade infantil e companheirismo. De uma viagem curta e marcante, de um dia-a-dia de muita conversa, de cumplicidade. De ingenuidade e inocência.
    Você, de um longo tempo, de timidez e insegurança. De um cara a cara quase inexistente, de uma promessa de eternidade virtual e de mágoa. De primeiras experiências e palavras inesquecíveis.
    Você, de confiança rápida e amizade não cotidiana. De ciúmes e confusões. De atitudes infantis e cara de pau sem limites. De nenhum ressentimento, de alívio pelo fim.
    Você, menor, mas não menos importante. Qualquer você aí pelo meio.
    Para seus conhecimentos, quando me perguntarem se estou amando, responderei com plena certeza que sim, porque depois de romances mal acabados, percebi que preciso viver minha vida apaixonada sempre por uma pessoa: eu mesma.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

pedaços pela rua

    Ela viu ele de longe. E era sempre assim que o via, sempre de longe. Ocorreria, como sempre, aquela troca de olhares tensos e os dois seguiriam seus caminhos. Como sempre.
    Mas nesse dia foi diferente, claro. Se não fosse não valeria a pena relatar.
    Ela passou em passos apressados, característicos do modo de andar dela. Ele estava sentado em um daqueles bancos laranjas nada discretos. Ela estava concentrada no assunto que estava indo resolver, e torcendo por dentro para que não visse ninguém por ali, não se sentia tão bem ali quanto há um tempo. Ele estava conversando com alguns amigos que ela também conhecia. Conhecia bem até.
    Ela continuava andando policiando-se para não olhar para o outro lado da rua, quando ouviu seu nome sendo chamado por uma voz que por muito tempo ela ouvia constantemente. Ela não olharia. Começou então a ouvir alguns sussurros, conseguia entender um pouco de alguns... parecia algum tipo de incentivo. Ouviu mais vozes chamando seu nome, mas continuou olhando para frente. E então uma voz que sempre mexera com seu consciente e com seu coração soou do outro lado da movimentada rua. Ela não ouvia mais os carros passando, um silêncio súbito inundou seu mundo naquele momento. Ela obrigou-se a virar. Ele estava parado de pé na calçada olhando para ela. Olhou para os lados, a sinaleira havia fechado. Seus pés se moveram e pisaram na rua, sua boca, porém, não se mexeu, não parecia que ele tinha algo a dizer. Ela respirou fundo, olhou para ele pela última vez e virou-se para frente novamente. Ao dar o primeiro passo, ela ouviu-o chamar seu nome de novo. A sinaleira abriu e em poucos segundos os carros invadiriam a rua e passariam por onde ele estava. Ela virou com o coração apertado, não lhe fazia bem olhar assim para ele, principalmente quando sabia que ele também a olhava. Buzinas soaram para tirá-lo do meio da rua. Ela olhou preocupada, mas logo seguiu em frente. Ele parecia querer atravessar a rua para encontrá-la, parecia agora decidido, mas o fluxo de carros estava caótico.
    Ela seguiu seu caminho. E estes foram alguns passos que, embora ela não sabia na hora, mudaram tudo dentro dela. Porque foi andando para longe dele e de seu chamado que ela finalmente resolveu não mais se preocupar com esse pedaço de seu passado, pois estava claro que havia um bom motivo para tudo isso não estar em seu futuro.

domingo, 10 de outubro de 2010

os melhores do mundo

"Quando eu era pequena, acreditava no conceito de um melhor amigo. Depois, como mulher, descobri que se você permitir que seu coração se abra, você encontrará o melhor em muitas amigos."

Peço licença para colocar aqui algo um pouco mais pessoal que todos os outros textos, mesmo sabendo que cada linha aqui traz um pedaço de mim.
Quero agradecer do fundo do meu coração aqueles que fizeram esse meu dia dez um dos melhores de toda minha humilde existência. Aqueles que desde o primeiro minuto deste dia me presentearam com seus abraços e seus beijos. Agradeço por serem quem são todos os dias pra mim, por seus risos e piadas, seus choros e reclamações, todas as ajudas e conselhos, por simplesmente existirem e me aturarem todo dia!
Agradeço pelo susto que tomei. Agradeço dezesseis vezes a Deus por ter colocado cada um de vocês, maneiros, venenosas e afins, em minha vida!

"Friendship is the only cement that will ever hold the world together."

terça-feira, 5 de outubro de 2010

de volta

   Ele olhou para cima, o sol o fez fechar os olhos rapidamente, aquela luz forte ardia seus olhos azuis. Suas pupilas quase não apareciam e seus olhos estavam parecendo o mais puro oceano. Quem passasse por perto (se alguém tivesse como passar por ali), poderia pensar em uma estátua. A única parte de seu corpo que se movia era seu tórax, seu abdome subia e descia regularmente. O vento batia em seus cabelo castanho; dia ensolarado e com vento era o usual de sua cidade, por isso ele gostava tanto de morar ali.
    Os pássaros cantaram. Era o primeiro canto do dia, aquele que o acordava em dias normais e que, às seis e quarenta da manhã de um domingo o assustou. Sua respiração acelerou, ele olhou a sua volta. Não havia nada além de uma borboleta. Ela pousou ao seu lado. Ele olhou para ela e no mesmo instante percebeu. Era ela. De volta à ilha deles.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

dez flores

   Eles já estavam juntos há um tempo. Quase um ano! E era muito tanto para um quanto para o outro; nenhum dos dois jamais houvera sentido algo como o que estavam sentindo nesse tempo que compartilharam.
   Haviam combinado de se encontrar nesse dia especial. Foram dez meses passando pela timidez, pela amizade e o dia em que assumiram a relação que fora escondida por um tempo.
   Ele chegou antes. Sempre dizia em seus discursos um tanto machistas que o homem tinha de ser o primeiro a chegar nos encontros. Esse ponto ela não contestava, o resto do machismo, porém, eles discutiram. Ela defendia seu sexo com unhas e dentes, era uma grande batalha entre os dois egos.
   E do mesmo jeito que esse pequeno problema foi superado, outros também foram. E isso a trazia até o Café da esquina da rua que se conheceram naquela hora da tarde.
   Ele estava na mesma mesa de sempre, com o mesmo chocolate quente a sua frente e o capuccino do lado esperando por ela. Sua mão estava para baixo e parecia esconder alguma coisa. Ela se aproximou da mesa e ele se levantou. Havia um buquê de rosas em sua mão. Ela abriu seu maior sorriso e recebeu as flores.
   - São dez rosas, uma representando cada mês que estou mais completo que nunca. - ele dizia isso da forma mais sincera possível, porém tinha um sorriso escondido no canto de seus lábios que com certeza queria dizer alguma coisa. E foi aí que ela percebeu que havia algo estranho. Das dez flores, nove eram naturais e uma de plástico. Ela olhou para ele intrigada. Ele olhou novamente para o buquê, ela baixou seus olhos para as flores em suas mãos. Antes que ela perguntasse, ele adiantou-se explicando.
    - Prometo que vou te amar até que a última delas morra.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

como um pato

    A intenção dela ao vir até ali não era brigar, mesmo porque ele não era alguém tão importante para ela, mas a sensação de algo inacabado realmente a atormentava.
    Ele vinha andando, mas ela não o reconheceu logo no primeiro olhar. Ele chegou e se postou ao lado dela, deu-lhe um beijo na bochecha e pegou sua mão. A sensação não era mais tão ruim. Ele começou a mexer em seus dedos e ela esboçou um meio sorriso. Mas como ela não queria sorrir naquele momento, de repente, fechou a cara. Ele era estúpido demais para perceber a mudança de humor dela. Foi em direção dela para abraçá-la, mas ela desviou. Esse sinal ele era obrigado a perceber.
    - O que aconteceu? - fogos de artifício estouraram comemorando a grande percepção dele. Ela realmente estava de saco cheio.
    Ela simplesmente soltou sua mão da dele e, sem falar nada, virou as costas. Saiu andando; era sua prova final. E ele reprovou, sem chance de recuperação, ficou lá parado vendo ela se afastar. E ela estava um turbilhão, como um pato nadando em um lago de águas calmas. Quem visse de fora, veria calmaria, ela demonstrava serenidade e tranquilidade. Mas se alguém mergulhasse mais fundo, dentro do lago ou dos pensamentos dela, veria a perfeita confusão das patas batendo freneticamente para fazer o pato sair do lugar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

querido diário,

    Ela deitou em sua cama, na cama reservada a ela no alojamento, e no mesmo minuto olhou para o céu pela janela. Havia visto a lua cheia um dia por ali e sempre esperava por ver de novo. De tão concentrada que estava no céu noturno, não notou a presença de mais alguém no ambiente.
    - Ainda a espera da lua? - foi a pergunta dele.
    - Eu te juro que consigo vê-la daqui, mas é só alguns dias a cada ciclo, pelo jeito. Mas eu juro que falo sério, dá pra ver a lua deitada daqui!
    - Ei ei ei - ele apressou-se em dizer -, acalme-se! Eu acredito e por isso venho aqui todas as noites.
    - A lua, entendo... - ela não tirava os olhos da noite sem estrelas.
    Ele sentou-se, estava nervoso. Pensou em começar a falar...
    - É que...
    Silêncio, ele não conseguia, nem sabia porque estava pensando em esclarecer tudo. Ele que sempre foi tão reservado estava prestes a se abrir com alguém que conheceu em duas semanas de acampamento.
    Ela olhava atenta para ele, esperando que prosseguisse. Não queria perguntar para não forçá-lo a nada. Para sua sorte e seu alívio, ele continuou.
    - Desculpe - ele tentou começar de outro modo. - Eu não sei porque vou fazer isso, só por favor não me faça perguntas.
    Ele entregou a ela uma carta. Pelo menos parecia uma carta. Datava vinte e oito de julho de 2007. O papel já estava amassado, a letra era confusa, demonstrava pressa, haviam partes que pareciam ter sido molhadas. Lágrimas, ela supôs. Ela ficou apreensiva ao pegar o papel na mão. Era frágil. Abriu com cuidado e começou a ler.

    Querido diário,
eu preciso ir.

E era isso. Dava para perceber que a página havia sido arrancada de algum lugar. Um diário, foi o que ela pensou imediatamente. Ela devolveu o papel a ele totalmente confusa, mas sem fazer perguntas, como ele havia pedido.
    - Eu arranquei do diário dela. A intenção dela era sair sem deixar rastros, para eu não sofrer. Acho que eu sofreria ainda mais.
    Ela não sabia o que responder, então permaneceu com seus pensamentos. Levantou-se de repente, abriu sua mala, pegou o Caderno, abriu-o na última página escrita. A do dia atual ainda estava em branco. Ela pegou uma caneta, sentou do lado dele e escreveu.

    Querido diário,
eu te ajudo a recomeçar.

Ele não conseguiu conter as lágrimas.

sábado, 25 de setembro de 2010

imergência

    A noite a fazia pensar. Pensar em si mesma e em sua vida. Pensar onde realmente estava naquele momento. Pensar nele. Ele que estava ao mesmo tempo tão perto e tão longe. E ela sabia disso, porque era isso que mais a afligia. A fraqueza dele a irritava; a fraqueza dela fazia escorrer lágrimas por suas bochechas. Ela não se preocupava em chorar naquele momento, mesmo cercada de pessoas que a conheciam, ninguém estava atento nela. Estavam todos imersos na escuridão. Ela também desejava estar, mas sua corrente de pensamentos não estava deixando. Pensamentos estes que nem ela conseguia organizar. Entendê-los sempre fora tarefa árdua, e naquele momento resolvera tornar-se pior.
    A lua ela não conseguia enxergar, e seu maior amigo e consolo em momentos de lágrimas estava longe dela no momento. Ela fechava seus olhos e eles se abriam novamente. Cravara-se uma luta nesse momento. O movimento que havia ali, pelo menos, embalava-a, fazendo-a se sentir como uma criança sendo ninada. Era uma boa sensação. E quando ela pensava nisso e se aquietava, os velhos pensamentos revoltavam-se e voltavam a ocupar sua cabeça. Cabeça que ia de um lado por outro naquele desconforto. A luta entre ela e seus olhos continuava e não tinha previsão de acabar. Mesmo se achando fraca, ela acharia força para deixá-los fechados. Força, teimosia e orgulho. Ela tinha razão, a junção dessas três características tão presentes nela venceram a peripécia que seus olhos estavam aprontando. Ela sentia ser a última a imergir na escuridão.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

pac coragem

    Há pássaros sobre as pedras e uns voando rente ao mar. Passando pela orla sonho em ser como eles, em voar como eles. O céu está de um azul estonteante e sem nuvens, o sol reluz como nunca antes. Não está quente, sinto o calor em minha pele, mas ele não me faz suar. O vento sopra constantemente e torna o clima ainda mais agradável. O mar cintila como se cada gota salgada fosse um olho brilhando de felicidade. Ao mesmo tempo que me cega, me encanta. Estou a beira mar, mas não vou pela areia. Não há areia, nada de praia. Somente o mar e a calçada por onde vou sem destino algum. Passo pelas pessoas rapidamente, pedalo como se não houvesse nada mais a se fazer. Mais gente faz como eu, outros preferem ir mais devagar, caminhando. Eu gosto mais de velocidade. O cheiro de mar me deixa extasiada. Sinto o ar perfumado descer até meus pulmões. Vou me aproximando cada vez mais da ponte. Majestosa ponte, imponente e solitária, que não permite que nada nem ninguém passe por ela. Os carros passam, então,  pela estrada causando o único ruído que ouço além do cantar dos pássaros. Mas eles passam rapidamente, a avenida não deixa andar devagar nem estacionar, o que garante minha tranquilidade de pedalar sozinha. Aumento minha velocidade, sinto cada vez mais a sensação de estar voando. Fujo cada vez mais rápido de algo que não quero encontrar. Saí de lá de repente e não quero voltar tão cedo. Queria continuar pedalando, deixando que o vento levasse minhas aflições para longe. Mas não posso. A estrada acabou, o mar tocou as montanhas e parou por ali, um trevo cheio de carros em alta velocidade a minha frente me assusta. Tenho que voltar pelo caminho onde deixei meus problemas e, como em um video game, pegá-los todos de volta para mim. E cada ponto que faria em um jogo será uma preocupação a mais. Não vou desviar mais deles, e vou achar alguns bônus de coragem pelo caminho. Precisarei de muitos deles.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

escorrendo

Fazia um tempo que nada escorria de meus olhos. E agora escrevo com os olhos embaçados. Quase não enxergo a folha de papel que minhas lágrimas molham. E quando enxugo-as, o lenço molha e suja. Minha máscara sendo tirada, o escudo que carrego durante todo o tempo cai. Não preciso mais fingir ser forte, fingir sorrir e fingir ser quem deveria ser. As lágrimas me trazem o meu eu de volta. E magicamente, quando conseguem isso, param de cair.

domingo, 19 de setembro de 2010

ele&ela

    Eles não se conheciam, mas isso não impediu-o de tentar falar com ela. Ele sentiu medo, talvez medo de rejeição, ou simplesmente insegurança. Ela tinha acabado de sair de um relacionamento conturbado, porém não estava machucada. Ele chegou com calma, conversando; ela recuou. Ela permanecia na defensiva, e ele atacava a conversa todos os dias. Ele não se cansava de insistir nela. Ela resolveu ser mais receptiva e mais gentil, até chegara ao ponto de ir falar com ele algumas vezes. Eles ficavam nesse romance ioiô. Nenhum dos dois queria assumir os riscos. Eram completamente incompatíveis.
    Ela nunca se imaginara com ele (e ela era daquelas que se imaginava sempre com alguém). Ela começou a se imaginar com ele e, em sua imaginação, até que pareciam compatíveis. Disseram a ela que os dois combinavam. Ela riu. Ele vinha falar com ela várias vezes. A conversa era boa.
    Ele, não sei o que está acontecendo.
    Ela, não sei o que está acontecendo.
    Ele existe. Ela também. Existirá, algum dia, um Nós entre eles?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

discurso

    Era o dia. Ou pelo menos teria que ser o dia. Minhas mãos tremiam. Ainda tremem enquanto escrevo. Mas tremiam mais às seis da manhã quando levantei porque não conseguia mais dormir. Andei pela casa. Tirei meu vestido da proteção umas quinze vezes. Vesti ele em doze delas. Com o sapato e as jóias foram sete. E em duas eu arrisquei o penteado junto. O discurso declamei mais de trinta vezes em frente ao espelho do banheiro. Me cansei e coloquei a banheira pra encher. Treinei o discurso mais uma vez. A turma inteira me escolhera, não podia falhar. Eu podia ter falhando em qualquer prova ao longo de todos esse anos, mas não no discurso. Tinha ele pronto, decorado. A banheira estava pronta. Entrei, relaxei por, eu acho, cinco minutos. Não conseguia ficar parada. Andei pela casa, podia andar de costas e olhos fechados porque já sabia desviar de todas as caixas. Estávamos de mudança além de todo o nervosismo da formatura, que também seria minha despedida.
    Assim passou o dia. Chutei a quina da mesa quando tentei andar de olhos fechados. Falei meu discurso mais algumas vezes. Eu tinha somente uma certeza: chegaria lá em cima, pegaria o microfone e falaria todas as palavras meticulosamente certas.
    Pena que não sou uma garota de certezas. Nunca fora.

Subi as escadas, cumprimentei o Mestre de Cerimônia que já havia se tornado meu amigo, de tanto que aluguei ele para ensaios. Posicionei o microfone à minha altura. Bati de leve, tudo certo. Era só falar o que tinha treinado. Se esquecesse tinha o texto ali embaixo em algum lugar.
    Foi aí que aconteceu. Me bateu aquela onda que ainda não sei explicar. Peguei o discurso que estava na bancada. Peguei o microfone. Dei uns passos, desci as escadas. Me posicionei na frente de meus colegas. Meus amigos. Coloquei o microfone no chão. Rasguei meu discurso. A reação foi única e instantânea: espanto. De todos que contribuíram para aquele discurso impecável. Soltei o que restava do discurso, deixei a perfeição cair no chão. Peguei o microfone de lá. Iria falar o que eu sinto. Mas o que eu realmente sinto? - foi o que eu pensei.
    - Todos nós sabemos que o fim está próximo e...
    Bateu o nervosismo. Por que diabos fui rasgar o discurso? Olhei para baixo. Realmente não daria para voltar atrás.
    - O fim de tudo que passamos está próximo. Vamos por caminhos diferentes. Vou sentir saudade de metade dos que estão aqui. Das conversas jogadas fora, descobertas, sonhos, risos. Dos momentos de angústia, vésperas de provas e finais de semana. De todo o companheirismo! Amizades não duram pra sempre, isso todos nós sabemos. Dentro de breves minutos cada um vai para o seu lado. Os dias, meses, anos vão passar. Vamos nos perder no tempo. Alguém um dia vai ver a foto que foi tirada para essa formatura e te perguntar quem são aquelas pessoas todas. A saudade vai fazer um aperto enorme no peito enquanto a boca se movimentará para falar uma das palavras mais nobres de nossa língua: são meus amigos.
    Silêncio. De repente, todos levantaram. Aplaudiram. Se estavam me aplaudindo? Não, estavam aplaudindo o sentimento que construímos nesse tempo vivido juntos. E então senti uma coisa escorrendo por minhas bochechas, algo que eu não sentia há tempo. Algo que me fez abrir meu maior sorriso e jogar meu capelo para cima. Todos fizeram o mesmo e a música começou a tocar.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

não acredite em tudo que vê

     Você pode ver uma mulher se dizer uma pessoa boa. Fazer as generosidades que quiser, espalhar o bem por onde for. Ajudar uma pessoa todo dia, fazer disso sua lei. Você pode ver uma mulher dar 'bom dia' e ser simpática com as pessoas que mais veem má educação.
     Você pode vê-la estudar o dia inteiro e tirar notas boas. Ou sendo mais velha e trabalhando dando seu máximo por sua empresa. Sendo pontual e incentivando todos a serem pessoas melhores. Promovendo de tudo para unir seus colegas.
    Você pode ver uma mulher doar o que tem de supérfluo, controlar seu gastos e economizar recursos naturais. Pode vê-la consolando os derrotados e parabenizando os vitoriosos. Divertindo os que encontram-se tristes, dando carinho aos que necessitam. 
    Você pode ver uma mulher em suas diferentes formas. A generosa, a caridosa, a sorridente e  a ouvinte. A trabalhadora, a determinada, a bela e a forte. A que segura lágrimas e a que as demonstra do jeito mais singelo. A que eleva o tom de voz e a que o mantém sempre igual. Você pode ver uma mulher forçar tudo isso ou deixar fluir naturalmente. Mas deixo bem claro, por mais que a imagem que uma mulher te passe for de boa menina, cedo ou tarde você descobre que não muito lá no fundo mora uma garota má.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

a ilha

    Ele chegou como de costume, entre cinco e sete minutos atrasado. Ela se acostumara com isso, já não se importava tanto como no começo da relação. Seu subconsciente já sabia que minutos depois dela pisar na areia, ouviria o assobiar da velha música que embalava suas noites na ilha. Ele não cansava de assobiar Menina Veneno para ela, dizia que a música tinha um significado especial para ele. Ela nunca soube qual era esse significado. E nunca saberia, afinal o dia havia chegado. Ela não se importava em não saber, afinal o tempo passado junto sem saber disso fora muito bom. Tudo fora muito bom.
    - Demorei muito?
    Ela riu. Abriu a boca para falar...
    - Entre cinco e sete minutos - falaram em uníssono.
    - Como sempre - ela completou.
    Ele ficou imóvel. Ela nunca havia falado nada após o bom e velho discurso tradicional. Ele estranhou, e naquele momento percebeu que havia algo errado com ela.
    Ela olhava para o horizonte tentando encontrar a maneira certa para falar. As estrelas nunca pareceram tão brilhantes, o mar nunca tão agitado, a lua cintilava e a fazia não esquecer o porquê de estar ali.
    Ali. A ilha para qual fugiam quando queriam se ver, a ilha que sempre acobertou seus maiores segredos, seus piores medos. E que agora seria palco da frase mais dolorida até então.
    - Fiz alguma coisa errada? - ele resolveu arriscar.
    - Claro que não, você nunca faz nada errado, você sabe bem disso...
    Silêncio. Ela olhou para as estrelas e não agüentou. Derramando a primeira lágrima, das muitas que ela sabia que viriam esta noite, pediu o que mais queria no momento.
    - Me abrace. - era tudo que ela precisava.
    E ele atendeu ao pedido. Claro, sempre atendia aos pedidos dela. Como ela também atendia aos dele. Eram mais que um casal, eram uma dupla, parceria e confiança definia a relação deles.
    - O que tá acontecendo? - ele não sabia mais o que fazer a não ser perguntá-la. Logo ele que sempre achava as respostas somente olhando nos olhos dela. - Nunca te vejo assim. Sou eu sempre que estou triste e preciso de consolo. O que aconteceu?
    Novamente ela ficou em silêncio. Sabia que havia pouco tempo.
    - O que aconteceu? - Ele começou a chorar. Não agüentava vê-la assim e não poder fazer nada. - Me deixe te ajudar, eu posso...
    - Não pode nada, ninguém mais pode. Talvez poderia há uns meses atrás, mas agora é tarde demais. - ela interrompeu. Estava chorando ainda mais. Não sabia se devia continuar. Resolveu desabafar. - Tudo aconteceu muito rápido e ninguém sabia o que era.
    - O que? O que era? O que ta acontecendo? - ele estava desesperado na areia da ilha deles. Aquela ilha se tornara deles.
    - Depois que sair daqui vá até minha casa. Embaixo da cama tem algo pra você ver. Ver e levar com você por onde for. Nunca se esqueça, tudo bem?
    - Tá, mas...
    - Prometa! - ela foi direto ao ponto.
    - Por que..?
    - Só prometa pra mim, por favor! - ela gritava. Gritava e chorava desesperadamente. Ele ainda não entendia, mas não conseguia parar de chorar do mesmo modo.
    - Eu prometo, meu amor, claro que eu prometo.
    - Ótimo. Agora ouça... - sua voz estava ficando cada vez mais baixa. - Prometa que... - ela respirou fundo. Isso estava se tornando mais difícil que ela imaginara. - Prometa que nunca vai se esquecer de mim, nem dessa ilha. Ame alguém e traga seu filho para conhecer...
    - Ame alguém? Eu já te amo! Meu filho? Nosso filho! - ele interrompeu desesperado.
    - Somente ouça. Ame alguém e traga seu filho para conhecer essa ilha. Conte a ele tudo que vivemos, mas não conte esse momento.
    - Por que? - mais lágrimas.
    - Só me prometa, preciso disso.
    - Prometo tudo que você quiser!
    - Eu te amo.
    - Isso parece despedida, o que..?
    Tarde demais, ela já tinha ido.

Embaixo da cama havia uma caixa. Dentro da caixa haviam fotos dos dois desde o princípio. E uma carta:

   Meu amor, meu único amor, me desculpa. Eu também fiquei sabendo há pouco tempo. Tive uma doença que nenhum médico nesse país conseguiu descobrir. Por isso que eu viajava tanto durante o fim de semana e quase não conseguia te ver.
   Me desculpe. Nesse momento não estou mais ao seu lado, mas estou te vendo. Estou te amando. Estarei por todo o seu viver. Sou teu anjo a partir de agora.
   Não jogue nada disso fora. Não culpe ninguém. A doença era mesmo rara, a única coisa que descobriram foi que já estava em meus genes.
   Não chore por mim. Sempre fui apaixonada por teu sorriso e daqui de cima é o que eu mais quero ver. Volte à nossa ilha sempre que puder. Estarei lá sempre. Eu sei que você poderá me sentir quando estiver lá.
   Eu te amo.

Não precisou de assinatura. Ele sempre saberia quem escreveu aquilo. Pela letra, pelo cheiro, a forma que o papel estava dobrado, pela organização (ou falta dela) dentro da caixa. Ele tinha certeza, sempre amaria ela. Aonde quer que ela estivesse.

sábado, 11 de setembro de 2010

tempo?

    Acho que estava na hora de dar um tempo, mesmo realmente odiando essa expressão. É a premissa pra algo que eu não quero. Mesmo nessa crise, não quero. Uma relação de quase cinco anos não pode acabar assim.
    Nossa relação perdura desde a amizade de escola. Foi um ano se odiando, outro se conhecendo, e então os quase cinco que terminam hoje. Quero dizer, termina a contagem do tempo, não o relacionamento. E eu digo termina a contagem do tempo para ter um parâmetro agora, não porque não vou mais contar como tempo que estamos juntos. É, porque ainda estamos juntos.
    Faz mais de uma semana que estamos em uma briga constante.
    Fazem quatro dias que ele não me liga. Não entendo.
    Faltam dois dias para completar exatos cinco anos de namoro. E quanta gente nos disse que namorar aos dezesseis era cedo demais. Hoje em dia se não namora com dezesseis, mal pode ser considerada normal. Essa modernidade me assusta, mesmo sendo jovem. Do alto dos meus vinte e um anos, fico abismada com o que adolescentes fazem antes mesmo de completar os dezoito. Ah, meus dezoito...
    Penso em ligar para ele. Pego o telefone da mão e disco seu número. Cancelo. Disco de novo e ligo. Chama três vezes, típica espera dele antes de atender ao telefone. Ele atende com voz embargada. Não aguento ouvir sua voz e desligo. Meu coração se aperta. O que ele está esperando para me pedir desculpas e dizer que não quer mais um tempo?
    A noite chega. E com ela outro dia.
    O dia passa do mesmo modo.
    A noite chega. E com ela outro dia.
    O dia passa do mesmo modo.
    Tic tac.
    Cinco anos.
    Ele não liga. Não chega. Nem e-mail ele mandou.
    Ele não liga. Não manda e-mail. Mas chega até a casa dela. Atendo a porta, e ele, segurando um buquê de lírios brancos, minhas flores preferidas, ajoelha-se no chão. Realmente não entendo ele. Por que tanta cerimônia para pedir desculpa? Podia só falar e me dar um beijo. Ele sorri meu sorriso. Limpa sua garganta.
    - Case-se comigo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

aguente um dia. ou vários.

    Eles eram um casal feliz, viviam juntos o tempo todo. O problema de não sentir saudades não os afetava. Eram cúmplices para qualquer eventualidade.
    O dia estava normal. Pessoas andavam normalmente pelas ruas, o brilho do sol não era forte nem fraco, não ventada. Era um típico dia para nada acontecer.
    Eles chegaram praticamente juntos. Ele caminhava com aquela cara de que estava aprontando alguma. Ela estava gostando daquilo.
    - Tenho uma proposta para te fazer.
    Ela estava rindo descontroladamente. Abraçou-o, pendurou-se em seu pescoço e suspirou.
    - Fale, qual sua proposta?
    Ele a soltou. Caminharam até um banco próximo e se sentaram. Ela começara a ficar impaciente. Ele limpou a garganta.
    - Fique um dia sem falar comigo e prometo que te amarei para sempre.
    Ela ficou um tanto confusa e ele explicou suas condições: nada de telefonemas, nem mencionar o nome, não se comunicariam por vinte e quatro horas. Ela aceitou.
    O dia passou de forma estranha. Houveram outros ao longo da relação deles que ela passou sem vê-lo, mas ser obrigada a não o ver parecia tornar tudo mais difícil. O proibido sempre a tentava.
    Ela conversou com seus amigos e até com sua irmã, o que era algo para se surpreender. Incrível como ele conseguia mexer com ela até mesmo indiretamente. E era incrível como ela sentia falta dele.
    Ela dormiu e acordou cedo. Foi correndo para a casa dele. A mãe dele atendeu a porta de um modo meio triste. Convidou-a para entrar e disse que ele estava em seu quarto. Ela foi até lá e encontrou-o deitado quieto. Quieto até demais pelo o que ela conhecia dele.
    - O bilhete ao lado da cama é para você - ela ouviu vindo de longe. Ela pegou o bilhete; tinha o cheiro dele. Abriu-o.

Eu sabia que sua determinação faria você conseguir, parabéns. Eu já te amava para sempre, mas agora tens como prova minha promessa. Um tumor no cérebro não me deixou te amar durante muito tempo em vida, mas vou cumprir minha promessa abençoando cada despertar teu. Conseguisse ficar um dia sem mim, seja forte para aguentar os próximos que virão.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

constante observação

    Estava lá só para observar. Ninguém me via realmente.
    Parti faz duas semanas e ainda estou por aqui. Lá em cima me disseram que ainda tenho que resolver algumas coisas, ver alguns fatos que eu devia ter visto enquanto estava viva. E não vi. Não vivi tempo suficiente, um jovem bêbado e inconseqüente tirou minha vida. E jovens como ele vão tirar outras vidas mais.
    Mas Eles me disseram que eu tinha que voltar, permanecer ali até eu perceber o que tinha passado minha vida inteira sem enxergar.
    Os convidados começaram a chegar. Todos se diziam meus amigos enquanto eu freqüentava essas terras baixas. Entravam gritando e festejando na casa de Alice. Considerava-a uma das amigas mais próximas, sempre vi isso em filmes e livros, deveria estar acostumada a esse clichê.
    Haviam chegado praticamente todos e eu ainda não havia entendi o porquê de Eles terem me mandado para cá. Era isso que precisava ver quando viva? Uma festa? Já tinha visto várias, curtido várias, por que essa em especial?
    Foi aí que Pedro chegou e, se meu coração ainda batesse, ele teria acelerado. Mas ele não estava como sempre esteve. Subiu direto, percebi que ele não estava ali pela festa, estava dormindo na casa da sua prima desde a minha morte. Estranho.
    Flutuei até o segundo andar, afinal era hora de aproveitar a parte boa de ter morrido. Já tinha cansado de andar, isso se torna tão chato quando se aprende a voar. Ou flutuar, tanto faz. Meus pés não tocavam os degraus, minha velocidade constante. Aquilo me fornecia uma sensação boa, uma energia extra que me fazia superar todo o meu sofrimento, e o das pessoas à minha volta. Ou pelo menos as que não estavam alegres festejando alguma coisa. Ver aquilo me doía, não sei onde, já que meu coração estava gélido e parado agora.
    Cheguei ao quarto de hóspedes, onde Pedro estava hospedado esses últimos dias. Alice entrou logo depois de mim. Pisou no meu pé, aliás, mas nenhuma das duas sentiu o incidente.
    Ele chorava, nunca havia visto ele assim. Ela perguntou o que estava acontecendo, ele explodiu.
    - O que tais achando? Nossa amiga morreu há duas semanas e tá rolando uma festa aqui em casa? - ele estava fora dos eixos, nunca o tinha visto assim. - Achas isso normal? Mais que normal, achas isso digno em relação a ela?
    - Ela não tá mais aqui, esquece!
    - NÃO!
    Mesmo se estivesse lá em cima ouviria o grito dele. Foi intenso. Uma lágrima correu por seu rosto, ele estava chorando por mim.
    - Você não vai superar isso? Esquecer... Seguir em frente?
    - Não. - ele foi seco - A gente só encontra uma melhor amiga na vida e eu a deixei partir sem nem dizer isso a ela. A saudade vai morar em mim para sempre, ninguém vai substituir nada disso. Nem ela. Nunca.
    Meu coração, que eu sabia que não tinha mais, se apertou. As lágrimas, secas e impossíveis de aparecer, escorreram pelo meu rosto. Senti uma onda de calor me envolvendo, uma luz muito forte vinda de lugar nenhum e me levando cada vez mais pra cima. Chegara minha hora. Era isso que eu precisava saber pra ir em paz. E fui, fui com a certeza de que voltaria a encontrá-lo algum dia em algum lugar.

domingo, 5 de setembro de 2010

hoje seria seu dia

    Ela adorava aniversários. Sentia uma emoção indescritível, até mesmo quando estava em um restaurante e um felizardo desconhecido para ela estava sendo saudado com as palmas audíveis por todo o recinto. Ela parava qualquer conversa para bater palmas para o desconhecido. Seus pais morriam de vergonha; seus amigos estavam acostumados e entravam no clima. E todos eles sabiam que ela seria a primeira a ligar em seus aniversários; seria aquela que faria o presente (ela odiava a futilidade e a insensibilidade de comprar algo que outras pessoas também poderiam ter - ela amava o sentido de único); seria a dona das palavras mais bonitas. Era incrível como fazia sempre seus amigos chorarem com seus votos, parecia que ela tinha algo pronto. Não era o caso, deixa-se bem claro; o sentido da palavra sinceridade ela também vangloriava.
    Então não seria estranho que às sete horas e vinte minutos daquela manhã, um pouco antes do começo da aula, o telefone dele tocasse. Ele olhou para seus amigos.
    - Só pode ser ela, já estava estranhando a demora.
    Ele atendeu, silêncio do outro lado. Desligou sem entender nada.
    Essa história se repetiu por mais algumas vezes. Ele sentiu falta da ligação dela.
    Foi aí que percebeu que estava esperando, o tempo todo, por essa ligação. Não é que sabia que ocorreria, o fato maior é que ele queria que ocorresse.
    Mas por que, de todos os seus amigos, ela foi a única que não ligou? Ele segurou firme o celular a manhã inteira. E a tarde também. Só não dormiu agarrado com o celular porque ele realmente não dormiu. Esperou até o último minuto do dia com esperança que ela fosse ligar. Ele abriria o maior sorriso, mesmo ela não podendo ver, e contaria sobre essa aflição toda que sentiu. Ririam juntos. Ele pediria para se tornar mais que um amigo.
    Bateu meia noite. O telefone não tocou. Um pedaço de seu coração não seria mais tocado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

também sei chover

    Era mais um dia chuvoso naquela semana. O que era estranho porque chuva era algo raro em nossa região. Foi nisso que eu fiquei pensando enquanto saía de casa para encontrar com ele. Meus passos eram inaudíveis, as gotas caindo sobre o guarda-chuva novo, que tinha comprado há somente dois dias, simplesmente pelo fato dessa chuva repentina.
    Nunca gostei de chuva, ela me entristecia. Por isso saí de casa e caminhava em direção da casa dele. Eu sabia que isso não mudaria meu humor. É claro que eu gostava dele, mas me doía vê-lo naquele estado. Mas eu devia ir lá, devia isso a ele e a tudo que ele me fizera até então.
    A chuva estava começando a aumentar, já estava molhada até meus joelhos. Queria de volta o tempo seco, mas sentia que a chuva estava me mandando um recado. Eu realmente sentia isso.
    Cheguei na casa dele. Entrei e tropecei em uma caixa. O que significava aquilo? Fui direto ao seu quarto, percebendo que haviam mais caixas pelo caminho. Não me importei em molhar a casa toda. Entrei bruscamente. Ele havia levantado da cama, porém todos aqueles tubos ainda estavam conectados a ele. Odiava ver aquela cena.
    - Eu sabia que você viria. - foi a única coisa que ele disse. Fiquei paralisada, ele estava sem força até para falar, mas mesmo assim estava de pé. O que significada aquilo? Ele tentou falar de novo. - Sabia que você entenderia meu... - A voz saiu baixa, não consegui entender o final.
    - O que você disse? - cheguei mais perto.
    - Meu sinal, sabia que você o entenderia.
    Sinal? Mas que sin..?
    - A chuva... - consegui balbuciar.
    Ele sorriu, um sorriso fraco, não era mais o sorriso que tanto adorava. Ele então passou por mim, beijou minha testa e saiu. Saiu para não voltar. Foi a minha vez de chover.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

paixão escrita

     Desde que se conhece por gente ela sabe o que é ter uma paixão. Sempre fora apaixonada: o cheiro de um novo fazia-a delirar, o barulho do virar das páginas era música para seus ouvidos, nada se comparava à sensação de liberdade que sentia quando adentrava esse mundo.
    Aos quatro anos já amava algo que a maioria em sua idade não conhecia. Aos dez conheceu a fundo seu paraíso, o maior do estado. Aos catorze, já viciada em sua paixão, começou a explorar outro ramo. Seu começo foi triste, literalmente. Os textos escritos eram sentimentalistas, parecia mais desabafos que não poderiam ser falados. Aos dezesseis conseguiu sua primeira história, sem nada pessoal sendo envolvido. Não conseguiu, porém, soltar os sentimentos; os textos continuam com uma gota de tristeza. Aos dezoito, como num passe de mágica da idade promissora, escreveu algo não-triste de que sentiu orgulho. Houveram outros pelo caminho, porém nenhum causou um sentimento de realização tão forte como esse. Passado os vinte e com a cabeça totalmente formada, seguiu carreira. Conseguiu o que mais queria: faria o que mais amava enquanto estivesse viva. Vontade não faltaria a ela.
    Atualmente ela ainda não chegou a esse ponto. Está ainda no meio do caminho. Tem toda uma vida pela frente e espera que seja como ela escreve em seu texto.