segunda-feira, 13 de setembro de 2010

a ilha

    Ele chegou como de costume, entre cinco e sete minutos atrasado. Ela se acostumara com isso, já não se importava tanto como no começo da relação. Seu subconsciente já sabia que minutos depois dela pisar na areia, ouviria o assobiar da velha música que embalava suas noites na ilha. Ele não cansava de assobiar Menina Veneno para ela, dizia que a música tinha um significado especial para ele. Ela nunca soube qual era esse significado. E nunca saberia, afinal o dia havia chegado. Ela não se importava em não saber, afinal o tempo passado junto sem saber disso fora muito bom. Tudo fora muito bom.
    - Demorei muito?
    Ela riu. Abriu a boca para falar...
    - Entre cinco e sete minutos - falaram em uníssono.
    - Como sempre - ela completou.
    Ele ficou imóvel. Ela nunca havia falado nada após o bom e velho discurso tradicional. Ele estranhou, e naquele momento percebeu que havia algo errado com ela.
    Ela olhava para o horizonte tentando encontrar a maneira certa para falar. As estrelas nunca pareceram tão brilhantes, o mar nunca tão agitado, a lua cintilava e a fazia não esquecer o porquê de estar ali.
    Ali. A ilha para qual fugiam quando queriam se ver, a ilha que sempre acobertou seus maiores segredos, seus piores medos. E que agora seria palco da frase mais dolorida até então.
    - Fiz alguma coisa errada? - ele resolveu arriscar.
    - Claro que não, você nunca faz nada errado, você sabe bem disso...
    Silêncio. Ela olhou para as estrelas e não agüentou. Derramando a primeira lágrima, das muitas que ela sabia que viriam esta noite, pediu o que mais queria no momento.
    - Me abrace. - era tudo que ela precisava.
    E ele atendeu ao pedido. Claro, sempre atendia aos pedidos dela. Como ela também atendia aos dele. Eram mais que um casal, eram uma dupla, parceria e confiança definia a relação deles.
    - O que tá acontecendo? - ele não sabia mais o que fazer a não ser perguntá-la. Logo ele que sempre achava as respostas somente olhando nos olhos dela. - Nunca te vejo assim. Sou eu sempre que estou triste e preciso de consolo. O que aconteceu?
    Novamente ela ficou em silêncio. Sabia que havia pouco tempo.
    - O que aconteceu? - Ele começou a chorar. Não agüentava vê-la assim e não poder fazer nada. - Me deixe te ajudar, eu posso...
    - Não pode nada, ninguém mais pode. Talvez poderia há uns meses atrás, mas agora é tarde demais. - ela interrompeu. Estava chorando ainda mais. Não sabia se devia continuar. Resolveu desabafar. - Tudo aconteceu muito rápido e ninguém sabia o que era.
    - O que? O que era? O que ta acontecendo? - ele estava desesperado na areia da ilha deles. Aquela ilha se tornara deles.
    - Depois que sair daqui vá até minha casa. Embaixo da cama tem algo pra você ver. Ver e levar com você por onde for. Nunca se esqueça, tudo bem?
    - Tá, mas...
    - Prometa! - ela foi direto ao ponto.
    - Por que..?
    - Só prometa pra mim, por favor! - ela gritava. Gritava e chorava desesperadamente. Ele ainda não entendia, mas não conseguia parar de chorar do mesmo modo.
    - Eu prometo, meu amor, claro que eu prometo.
    - Ótimo. Agora ouça... - sua voz estava ficando cada vez mais baixa. - Prometa que... - ela respirou fundo. Isso estava se tornando mais difícil que ela imaginara. - Prometa que nunca vai se esquecer de mim, nem dessa ilha. Ame alguém e traga seu filho para conhecer...
    - Ame alguém? Eu já te amo! Meu filho? Nosso filho! - ele interrompeu desesperado.
    - Somente ouça. Ame alguém e traga seu filho para conhecer essa ilha. Conte a ele tudo que vivemos, mas não conte esse momento.
    - Por que? - mais lágrimas.
    - Só me prometa, preciso disso.
    - Prometo tudo que você quiser!
    - Eu te amo.
    - Isso parece despedida, o que..?
    Tarde demais, ela já tinha ido.

Embaixo da cama havia uma caixa. Dentro da caixa haviam fotos dos dois desde o princípio. E uma carta:

   Meu amor, meu único amor, me desculpa. Eu também fiquei sabendo há pouco tempo. Tive uma doença que nenhum médico nesse país conseguiu descobrir. Por isso que eu viajava tanto durante o fim de semana e quase não conseguia te ver.
   Me desculpe. Nesse momento não estou mais ao seu lado, mas estou te vendo. Estou te amando. Estarei por todo o seu viver. Sou teu anjo a partir de agora.
   Não jogue nada disso fora. Não culpe ninguém. A doença era mesmo rara, a única coisa que descobriram foi que já estava em meus genes.
   Não chore por mim. Sempre fui apaixonada por teu sorriso e daqui de cima é o que eu mais quero ver. Volte à nossa ilha sempre que puder. Estarei lá sempre. Eu sei que você poderá me sentir quando estiver lá.
   Eu te amo.

Não precisou de assinatura. Ele sempre saberia quem escreveu aquilo. Pela letra, pelo cheiro, a forma que o papel estava dobrado, pela organização (ou falta dela) dentro da caixa. Ele tinha certeza, sempre amaria ela. Aonde quer que ela estivesse.

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