quarta-feira, 29 de setembro de 2010

como um pato

    A intenção dela ao vir até ali não era brigar, mesmo porque ele não era alguém tão importante para ela, mas a sensação de algo inacabado realmente a atormentava.
    Ele vinha andando, mas ela não o reconheceu logo no primeiro olhar. Ele chegou e se postou ao lado dela, deu-lhe um beijo na bochecha e pegou sua mão. A sensação não era mais tão ruim. Ele começou a mexer em seus dedos e ela esboçou um meio sorriso. Mas como ela não queria sorrir naquele momento, de repente, fechou a cara. Ele era estúpido demais para perceber a mudança de humor dela. Foi em direção dela para abraçá-la, mas ela desviou. Esse sinal ele era obrigado a perceber.
    - O que aconteceu? - fogos de artifício estouraram comemorando a grande percepção dele. Ela realmente estava de saco cheio.
    Ela simplesmente soltou sua mão da dele e, sem falar nada, virou as costas. Saiu andando; era sua prova final. E ele reprovou, sem chance de recuperação, ficou lá parado vendo ela se afastar. E ela estava um turbilhão, como um pato nadando em um lago de águas calmas. Quem visse de fora, veria calmaria, ela demonstrava serenidade e tranquilidade. Mas se alguém mergulhasse mais fundo, dentro do lago ou dos pensamentos dela, veria a perfeita confusão das patas batendo freneticamente para fazer o pato sair do lugar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

querido diário,

    Ela deitou em sua cama, na cama reservada a ela no alojamento, e no mesmo minuto olhou para o céu pela janela. Havia visto a lua cheia um dia por ali e sempre esperava por ver de novo. De tão concentrada que estava no céu noturno, não notou a presença de mais alguém no ambiente.
    - Ainda a espera da lua? - foi a pergunta dele.
    - Eu te juro que consigo vê-la daqui, mas é só alguns dias a cada ciclo, pelo jeito. Mas eu juro que falo sério, dá pra ver a lua deitada daqui!
    - Ei ei ei - ele apressou-se em dizer -, acalme-se! Eu acredito e por isso venho aqui todas as noites.
    - A lua, entendo... - ela não tirava os olhos da noite sem estrelas.
    Ele sentou-se, estava nervoso. Pensou em começar a falar...
    - É que...
    Silêncio, ele não conseguia, nem sabia porque estava pensando em esclarecer tudo. Ele que sempre foi tão reservado estava prestes a se abrir com alguém que conheceu em duas semanas de acampamento.
    Ela olhava atenta para ele, esperando que prosseguisse. Não queria perguntar para não forçá-lo a nada. Para sua sorte e seu alívio, ele continuou.
    - Desculpe - ele tentou começar de outro modo. - Eu não sei porque vou fazer isso, só por favor não me faça perguntas.
    Ele entregou a ela uma carta. Pelo menos parecia uma carta. Datava vinte e oito de julho de 2007. O papel já estava amassado, a letra era confusa, demonstrava pressa, haviam partes que pareciam ter sido molhadas. Lágrimas, ela supôs. Ela ficou apreensiva ao pegar o papel na mão. Era frágil. Abriu com cuidado e começou a ler.

    Querido diário,
eu preciso ir.

E era isso. Dava para perceber que a página havia sido arrancada de algum lugar. Um diário, foi o que ela pensou imediatamente. Ela devolveu o papel a ele totalmente confusa, mas sem fazer perguntas, como ele havia pedido.
    - Eu arranquei do diário dela. A intenção dela era sair sem deixar rastros, para eu não sofrer. Acho que eu sofreria ainda mais.
    Ela não sabia o que responder, então permaneceu com seus pensamentos. Levantou-se de repente, abriu sua mala, pegou o Caderno, abriu-o na última página escrita. A do dia atual ainda estava em branco. Ela pegou uma caneta, sentou do lado dele e escreveu.

    Querido diário,
eu te ajudo a recomeçar.

Ele não conseguiu conter as lágrimas.

sábado, 25 de setembro de 2010

imergência

    A noite a fazia pensar. Pensar em si mesma e em sua vida. Pensar onde realmente estava naquele momento. Pensar nele. Ele que estava ao mesmo tempo tão perto e tão longe. E ela sabia disso, porque era isso que mais a afligia. A fraqueza dele a irritava; a fraqueza dela fazia escorrer lágrimas por suas bochechas. Ela não se preocupava em chorar naquele momento, mesmo cercada de pessoas que a conheciam, ninguém estava atento nela. Estavam todos imersos na escuridão. Ela também desejava estar, mas sua corrente de pensamentos não estava deixando. Pensamentos estes que nem ela conseguia organizar. Entendê-los sempre fora tarefa árdua, e naquele momento resolvera tornar-se pior.
    A lua ela não conseguia enxergar, e seu maior amigo e consolo em momentos de lágrimas estava longe dela no momento. Ela fechava seus olhos e eles se abriam novamente. Cravara-se uma luta nesse momento. O movimento que havia ali, pelo menos, embalava-a, fazendo-a se sentir como uma criança sendo ninada. Era uma boa sensação. E quando ela pensava nisso e se aquietava, os velhos pensamentos revoltavam-se e voltavam a ocupar sua cabeça. Cabeça que ia de um lado por outro naquele desconforto. A luta entre ela e seus olhos continuava e não tinha previsão de acabar. Mesmo se achando fraca, ela acharia força para deixá-los fechados. Força, teimosia e orgulho. Ela tinha razão, a junção dessas três características tão presentes nela venceram a peripécia que seus olhos estavam aprontando. Ela sentia ser a última a imergir na escuridão.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

pac coragem

    Há pássaros sobre as pedras e uns voando rente ao mar. Passando pela orla sonho em ser como eles, em voar como eles. O céu está de um azul estonteante e sem nuvens, o sol reluz como nunca antes. Não está quente, sinto o calor em minha pele, mas ele não me faz suar. O vento sopra constantemente e torna o clima ainda mais agradável. O mar cintila como se cada gota salgada fosse um olho brilhando de felicidade. Ao mesmo tempo que me cega, me encanta. Estou a beira mar, mas não vou pela areia. Não há areia, nada de praia. Somente o mar e a calçada por onde vou sem destino algum. Passo pelas pessoas rapidamente, pedalo como se não houvesse nada mais a se fazer. Mais gente faz como eu, outros preferem ir mais devagar, caminhando. Eu gosto mais de velocidade. O cheiro de mar me deixa extasiada. Sinto o ar perfumado descer até meus pulmões. Vou me aproximando cada vez mais da ponte. Majestosa ponte, imponente e solitária, que não permite que nada nem ninguém passe por ela. Os carros passam, então,  pela estrada causando o único ruído que ouço além do cantar dos pássaros. Mas eles passam rapidamente, a avenida não deixa andar devagar nem estacionar, o que garante minha tranquilidade de pedalar sozinha. Aumento minha velocidade, sinto cada vez mais a sensação de estar voando. Fujo cada vez mais rápido de algo que não quero encontrar. Saí de lá de repente e não quero voltar tão cedo. Queria continuar pedalando, deixando que o vento levasse minhas aflições para longe. Mas não posso. A estrada acabou, o mar tocou as montanhas e parou por ali, um trevo cheio de carros em alta velocidade a minha frente me assusta. Tenho que voltar pelo caminho onde deixei meus problemas e, como em um video game, pegá-los todos de volta para mim. E cada ponto que faria em um jogo será uma preocupação a mais. Não vou desviar mais deles, e vou achar alguns bônus de coragem pelo caminho. Precisarei de muitos deles.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

escorrendo

Fazia um tempo que nada escorria de meus olhos. E agora escrevo com os olhos embaçados. Quase não enxergo a folha de papel que minhas lágrimas molham. E quando enxugo-as, o lenço molha e suja. Minha máscara sendo tirada, o escudo que carrego durante todo o tempo cai. Não preciso mais fingir ser forte, fingir sorrir e fingir ser quem deveria ser. As lágrimas me trazem o meu eu de volta. E magicamente, quando conseguem isso, param de cair.

domingo, 19 de setembro de 2010

ele&ela

    Eles não se conheciam, mas isso não impediu-o de tentar falar com ela. Ele sentiu medo, talvez medo de rejeição, ou simplesmente insegurança. Ela tinha acabado de sair de um relacionamento conturbado, porém não estava machucada. Ele chegou com calma, conversando; ela recuou. Ela permanecia na defensiva, e ele atacava a conversa todos os dias. Ele não se cansava de insistir nela. Ela resolveu ser mais receptiva e mais gentil, até chegara ao ponto de ir falar com ele algumas vezes. Eles ficavam nesse romance ioiô. Nenhum dos dois queria assumir os riscos. Eram completamente incompatíveis.
    Ela nunca se imaginara com ele (e ela era daquelas que se imaginava sempre com alguém). Ela começou a se imaginar com ele e, em sua imaginação, até que pareciam compatíveis. Disseram a ela que os dois combinavam. Ela riu. Ele vinha falar com ela várias vezes. A conversa era boa.
    Ele, não sei o que está acontecendo.
    Ela, não sei o que está acontecendo.
    Ele existe. Ela também. Existirá, algum dia, um Nós entre eles?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

discurso

    Era o dia. Ou pelo menos teria que ser o dia. Minhas mãos tremiam. Ainda tremem enquanto escrevo. Mas tremiam mais às seis da manhã quando levantei porque não conseguia mais dormir. Andei pela casa. Tirei meu vestido da proteção umas quinze vezes. Vesti ele em doze delas. Com o sapato e as jóias foram sete. E em duas eu arrisquei o penteado junto. O discurso declamei mais de trinta vezes em frente ao espelho do banheiro. Me cansei e coloquei a banheira pra encher. Treinei o discurso mais uma vez. A turma inteira me escolhera, não podia falhar. Eu podia ter falhando em qualquer prova ao longo de todos esse anos, mas não no discurso. Tinha ele pronto, decorado. A banheira estava pronta. Entrei, relaxei por, eu acho, cinco minutos. Não conseguia ficar parada. Andei pela casa, podia andar de costas e olhos fechados porque já sabia desviar de todas as caixas. Estávamos de mudança além de todo o nervosismo da formatura, que também seria minha despedida.
    Assim passou o dia. Chutei a quina da mesa quando tentei andar de olhos fechados. Falei meu discurso mais algumas vezes. Eu tinha somente uma certeza: chegaria lá em cima, pegaria o microfone e falaria todas as palavras meticulosamente certas.
    Pena que não sou uma garota de certezas. Nunca fora.

Subi as escadas, cumprimentei o Mestre de Cerimônia que já havia se tornado meu amigo, de tanto que aluguei ele para ensaios. Posicionei o microfone à minha altura. Bati de leve, tudo certo. Era só falar o que tinha treinado. Se esquecesse tinha o texto ali embaixo em algum lugar.
    Foi aí que aconteceu. Me bateu aquela onda que ainda não sei explicar. Peguei o discurso que estava na bancada. Peguei o microfone. Dei uns passos, desci as escadas. Me posicionei na frente de meus colegas. Meus amigos. Coloquei o microfone no chão. Rasguei meu discurso. A reação foi única e instantânea: espanto. De todos que contribuíram para aquele discurso impecável. Soltei o que restava do discurso, deixei a perfeição cair no chão. Peguei o microfone de lá. Iria falar o que eu sinto. Mas o que eu realmente sinto? - foi o que eu pensei.
    - Todos nós sabemos que o fim está próximo e...
    Bateu o nervosismo. Por que diabos fui rasgar o discurso? Olhei para baixo. Realmente não daria para voltar atrás.
    - O fim de tudo que passamos está próximo. Vamos por caminhos diferentes. Vou sentir saudade de metade dos que estão aqui. Das conversas jogadas fora, descobertas, sonhos, risos. Dos momentos de angústia, vésperas de provas e finais de semana. De todo o companheirismo! Amizades não duram pra sempre, isso todos nós sabemos. Dentro de breves minutos cada um vai para o seu lado. Os dias, meses, anos vão passar. Vamos nos perder no tempo. Alguém um dia vai ver a foto que foi tirada para essa formatura e te perguntar quem são aquelas pessoas todas. A saudade vai fazer um aperto enorme no peito enquanto a boca se movimentará para falar uma das palavras mais nobres de nossa língua: são meus amigos.
    Silêncio. De repente, todos levantaram. Aplaudiram. Se estavam me aplaudindo? Não, estavam aplaudindo o sentimento que construímos nesse tempo vivido juntos. E então senti uma coisa escorrendo por minhas bochechas, algo que eu não sentia há tempo. Algo que me fez abrir meu maior sorriso e jogar meu capelo para cima. Todos fizeram o mesmo e a música começou a tocar.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

não acredite em tudo que vê

     Você pode ver uma mulher se dizer uma pessoa boa. Fazer as generosidades que quiser, espalhar o bem por onde for. Ajudar uma pessoa todo dia, fazer disso sua lei. Você pode ver uma mulher dar 'bom dia' e ser simpática com as pessoas que mais veem má educação.
     Você pode vê-la estudar o dia inteiro e tirar notas boas. Ou sendo mais velha e trabalhando dando seu máximo por sua empresa. Sendo pontual e incentivando todos a serem pessoas melhores. Promovendo de tudo para unir seus colegas.
    Você pode ver uma mulher doar o que tem de supérfluo, controlar seu gastos e economizar recursos naturais. Pode vê-la consolando os derrotados e parabenizando os vitoriosos. Divertindo os que encontram-se tristes, dando carinho aos que necessitam. 
    Você pode ver uma mulher em suas diferentes formas. A generosa, a caridosa, a sorridente e  a ouvinte. A trabalhadora, a determinada, a bela e a forte. A que segura lágrimas e a que as demonstra do jeito mais singelo. A que eleva o tom de voz e a que o mantém sempre igual. Você pode ver uma mulher forçar tudo isso ou deixar fluir naturalmente. Mas deixo bem claro, por mais que a imagem que uma mulher te passe for de boa menina, cedo ou tarde você descobre que não muito lá no fundo mora uma garota má.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

a ilha

    Ele chegou como de costume, entre cinco e sete minutos atrasado. Ela se acostumara com isso, já não se importava tanto como no começo da relação. Seu subconsciente já sabia que minutos depois dela pisar na areia, ouviria o assobiar da velha música que embalava suas noites na ilha. Ele não cansava de assobiar Menina Veneno para ela, dizia que a música tinha um significado especial para ele. Ela nunca soube qual era esse significado. E nunca saberia, afinal o dia havia chegado. Ela não se importava em não saber, afinal o tempo passado junto sem saber disso fora muito bom. Tudo fora muito bom.
    - Demorei muito?
    Ela riu. Abriu a boca para falar...
    - Entre cinco e sete minutos - falaram em uníssono.
    - Como sempre - ela completou.
    Ele ficou imóvel. Ela nunca havia falado nada após o bom e velho discurso tradicional. Ele estranhou, e naquele momento percebeu que havia algo errado com ela.
    Ela olhava para o horizonte tentando encontrar a maneira certa para falar. As estrelas nunca pareceram tão brilhantes, o mar nunca tão agitado, a lua cintilava e a fazia não esquecer o porquê de estar ali.
    Ali. A ilha para qual fugiam quando queriam se ver, a ilha que sempre acobertou seus maiores segredos, seus piores medos. E que agora seria palco da frase mais dolorida até então.
    - Fiz alguma coisa errada? - ele resolveu arriscar.
    - Claro que não, você nunca faz nada errado, você sabe bem disso...
    Silêncio. Ela olhou para as estrelas e não agüentou. Derramando a primeira lágrima, das muitas que ela sabia que viriam esta noite, pediu o que mais queria no momento.
    - Me abrace. - era tudo que ela precisava.
    E ele atendeu ao pedido. Claro, sempre atendia aos pedidos dela. Como ela também atendia aos dele. Eram mais que um casal, eram uma dupla, parceria e confiança definia a relação deles.
    - O que tá acontecendo? - ele não sabia mais o que fazer a não ser perguntá-la. Logo ele que sempre achava as respostas somente olhando nos olhos dela. - Nunca te vejo assim. Sou eu sempre que estou triste e preciso de consolo. O que aconteceu?
    Novamente ela ficou em silêncio. Sabia que havia pouco tempo.
    - O que aconteceu? - Ele começou a chorar. Não agüentava vê-la assim e não poder fazer nada. - Me deixe te ajudar, eu posso...
    - Não pode nada, ninguém mais pode. Talvez poderia há uns meses atrás, mas agora é tarde demais. - ela interrompeu. Estava chorando ainda mais. Não sabia se devia continuar. Resolveu desabafar. - Tudo aconteceu muito rápido e ninguém sabia o que era.
    - O que? O que era? O que ta acontecendo? - ele estava desesperado na areia da ilha deles. Aquela ilha se tornara deles.
    - Depois que sair daqui vá até minha casa. Embaixo da cama tem algo pra você ver. Ver e levar com você por onde for. Nunca se esqueça, tudo bem?
    - Tá, mas...
    - Prometa! - ela foi direto ao ponto.
    - Por que..?
    - Só prometa pra mim, por favor! - ela gritava. Gritava e chorava desesperadamente. Ele ainda não entendia, mas não conseguia parar de chorar do mesmo modo.
    - Eu prometo, meu amor, claro que eu prometo.
    - Ótimo. Agora ouça... - sua voz estava ficando cada vez mais baixa. - Prometa que... - ela respirou fundo. Isso estava se tornando mais difícil que ela imaginara. - Prometa que nunca vai se esquecer de mim, nem dessa ilha. Ame alguém e traga seu filho para conhecer...
    - Ame alguém? Eu já te amo! Meu filho? Nosso filho! - ele interrompeu desesperado.
    - Somente ouça. Ame alguém e traga seu filho para conhecer essa ilha. Conte a ele tudo que vivemos, mas não conte esse momento.
    - Por que? - mais lágrimas.
    - Só me prometa, preciso disso.
    - Prometo tudo que você quiser!
    - Eu te amo.
    - Isso parece despedida, o que..?
    Tarde demais, ela já tinha ido.

Embaixo da cama havia uma caixa. Dentro da caixa haviam fotos dos dois desde o princípio. E uma carta:

   Meu amor, meu único amor, me desculpa. Eu também fiquei sabendo há pouco tempo. Tive uma doença que nenhum médico nesse país conseguiu descobrir. Por isso que eu viajava tanto durante o fim de semana e quase não conseguia te ver.
   Me desculpe. Nesse momento não estou mais ao seu lado, mas estou te vendo. Estou te amando. Estarei por todo o seu viver. Sou teu anjo a partir de agora.
   Não jogue nada disso fora. Não culpe ninguém. A doença era mesmo rara, a única coisa que descobriram foi que já estava em meus genes.
   Não chore por mim. Sempre fui apaixonada por teu sorriso e daqui de cima é o que eu mais quero ver. Volte à nossa ilha sempre que puder. Estarei lá sempre. Eu sei que você poderá me sentir quando estiver lá.
   Eu te amo.

Não precisou de assinatura. Ele sempre saberia quem escreveu aquilo. Pela letra, pelo cheiro, a forma que o papel estava dobrado, pela organização (ou falta dela) dentro da caixa. Ele tinha certeza, sempre amaria ela. Aonde quer que ela estivesse.

sábado, 11 de setembro de 2010

tempo?

    Acho que estava na hora de dar um tempo, mesmo realmente odiando essa expressão. É a premissa pra algo que eu não quero. Mesmo nessa crise, não quero. Uma relação de quase cinco anos não pode acabar assim.
    Nossa relação perdura desde a amizade de escola. Foi um ano se odiando, outro se conhecendo, e então os quase cinco que terminam hoje. Quero dizer, termina a contagem do tempo, não o relacionamento. E eu digo termina a contagem do tempo para ter um parâmetro agora, não porque não vou mais contar como tempo que estamos juntos. É, porque ainda estamos juntos.
    Faz mais de uma semana que estamos em uma briga constante.
    Fazem quatro dias que ele não me liga. Não entendo.
    Faltam dois dias para completar exatos cinco anos de namoro. E quanta gente nos disse que namorar aos dezesseis era cedo demais. Hoje em dia se não namora com dezesseis, mal pode ser considerada normal. Essa modernidade me assusta, mesmo sendo jovem. Do alto dos meus vinte e um anos, fico abismada com o que adolescentes fazem antes mesmo de completar os dezoito. Ah, meus dezoito...
    Penso em ligar para ele. Pego o telefone da mão e disco seu número. Cancelo. Disco de novo e ligo. Chama três vezes, típica espera dele antes de atender ao telefone. Ele atende com voz embargada. Não aguento ouvir sua voz e desligo. Meu coração se aperta. O que ele está esperando para me pedir desculpas e dizer que não quer mais um tempo?
    A noite chega. E com ela outro dia.
    O dia passa do mesmo modo.
    A noite chega. E com ela outro dia.
    O dia passa do mesmo modo.
    Tic tac.
    Cinco anos.
    Ele não liga. Não chega. Nem e-mail ele mandou.
    Ele não liga. Não manda e-mail. Mas chega até a casa dela. Atendo a porta, e ele, segurando um buquê de lírios brancos, minhas flores preferidas, ajoelha-se no chão. Realmente não entendo ele. Por que tanta cerimônia para pedir desculpa? Podia só falar e me dar um beijo. Ele sorri meu sorriso. Limpa sua garganta.
    - Case-se comigo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

aguente um dia. ou vários.

    Eles eram um casal feliz, viviam juntos o tempo todo. O problema de não sentir saudades não os afetava. Eram cúmplices para qualquer eventualidade.
    O dia estava normal. Pessoas andavam normalmente pelas ruas, o brilho do sol não era forte nem fraco, não ventada. Era um típico dia para nada acontecer.
    Eles chegaram praticamente juntos. Ele caminhava com aquela cara de que estava aprontando alguma. Ela estava gostando daquilo.
    - Tenho uma proposta para te fazer.
    Ela estava rindo descontroladamente. Abraçou-o, pendurou-se em seu pescoço e suspirou.
    - Fale, qual sua proposta?
    Ele a soltou. Caminharam até um banco próximo e se sentaram. Ela começara a ficar impaciente. Ele limpou a garganta.
    - Fique um dia sem falar comigo e prometo que te amarei para sempre.
    Ela ficou um tanto confusa e ele explicou suas condições: nada de telefonemas, nem mencionar o nome, não se comunicariam por vinte e quatro horas. Ela aceitou.
    O dia passou de forma estranha. Houveram outros ao longo da relação deles que ela passou sem vê-lo, mas ser obrigada a não o ver parecia tornar tudo mais difícil. O proibido sempre a tentava.
    Ela conversou com seus amigos e até com sua irmã, o que era algo para se surpreender. Incrível como ele conseguia mexer com ela até mesmo indiretamente. E era incrível como ela sentia falta dele.
    Ela dormiu e acordou cedo. Foi correndo para a casa dele. A mãe dele atendeu a porta de um modo meio triste. Convidou-a para entrar e disse que ele estava em seu quarto. Ela foi até lá e encontrou-o deitado quieto. Quieto até demais pelo o que ela conhecia dele.
    - O bilhete ao lado da cama é para você - ela ouviu vindo de longe. Ela pegou o bilhete; tinha o cheiro dele. Abriu-o.

Eu sabia que sua determinação faria você conseguir, parabéns. Eu já te amava para sempre, mas agora tens como prova minha promessa. Um tumor no cérebro não me deixou te amar durante muito tempo em vida, mas vou cumprir minha promessa abençoando cada despertar teu. Conseguisse ficar um dia sem mim, seja forte para aguentar os próximos que virão.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

constante observação

    Estava lá só para observar. Ninguém me via realmente.
    Parti faz duas semanas e ainda estou por aqui. Lá em cima me disseram que ainda tenho que resolver algumas coisas, ver alguns fatos que eu devia ter visto enquanto estava viva. E não vi. Não vivi tempo suficiente, um jovem bêbado e inconseqüente tirou minha vida. E jovens como ele vão tirar outras vidas mais.
    Mas Eles me disseram que eu tinha que voltar, permanecer ali até eu perceber o que tinha passado minha vida inteira sem enxergar.
    Os convidados começaram a chegar. Todos se diziam meus amigos enquanto eu freqüentava essas terras baixas. Entravam gritando e festejando na casa de Alice. Considerava-a uma das amigas mais próximas, sempre vi isso em filmes e livros, deveria estar acostumada a esse clichê.
    Haviam chegado praticamente todos e eu ainda não havia entendi o porquê de Eles terem me mandado para cá. Era isso que precisava ver quando viva? Uma festa? Já tinha visto várias, curtido várias, por que essa em especial?
    Foi aí que Pedro chegou e, se meu coração ainda batesse, ele teria acelerado. Mas ele não estava como sempre esteve. Subiu direto, percebi que ele não estava ali pela festa, estava dormindo na casa da sua prima desde a minha morte. Estranho.
    Flutuei até o segundo andar, afinal era hora de aproveitar a parte boa de ter morrido. Já tinha cansado de andar, isso se torna tão chato quando se aprende a voar. Ou flutuar, tanto faz. Meus pés não tocavam os degraus, minha velocidade constante. Aquilo me fornecia uma sensação boa, uma energia extra que me fazia superar todo o meu sofrimento, e o das pessoas à minha volta. Ou pelo menos as que não estavam alegres festejando alguma coisa. Ver aquilo me doía, não sei onde, já que meu coração estava gélido e parado agora.
    Cheguei ao quarto de hóspedes, onde Pedro estava hospedado esses últimos dias. Alice entrou logo depois de mim. Pisou no meu pé, aliás, mas nenhuma das duas sentiu o incidente.
    Ele chorava, nunca havia visto ele assim. Ela perguntou o que estava acontecendo, ele explodiu.
    - O que tais achando? Nossa amiga morreu há duas semanas e tá rolando uma festa aqui em casa? - ele estava fora dos eixos, nunca o tinha visto assim. - Achas isso normal? Mais que normal, achas isso digno em relação a ela?
    - Ela não tá mais aqui, esquece!
    - NÃO!
    Mesmo se estivesse lá em cima ouviria o grito dele. Foi intenso. Uma lágrima correu por seu rosto, ele estava chorando por mim.
    - Você não vai superar isso? Esquecer... Seguir em frente?
    - Não. - ele foi seco - A gente só encontra uma melhor amiga na vida e eu a deixei partir sem nem dizer isso a ela. A saudade vai morar em mim para sempre, ninguém vai substituir nada disso. Nem ela. Nunca.
    Meu coração, que eu sabia que não tinha mais, se apertou. As lágrimas, secas e impossíveis de aparecer, escorreram pelo meu rosto. Senti uma onda de calor me envolvendo, uma luz muito forte vinda de lugar nenhum e me levando cada vez mais pra cima. Chegara minha hora. Era isso que eu precisava saber pra ir em paz. E fui, fui com a certeza de que voltaria a encontrá-lo algum dia em algum lugar.

domingo, 5 de setembro de 2010

hoje seria seu dia

    Ela adorava aniversários. Sentia uma emoção indescritível, até mesmo quando estava em um restaurante e um felizardo desconhecido para ela estava sendo saudado com as palmas audíveis por todo o recinto. Ela parava qualquer conversa para bater palmas para o desconhecido. Seus pais morriam de vergonha; seus amigos estavam acostumados e entravam no clima. E todos eles sabiam que ela seria a primeira a ligar em seus aniversários; seria aquela que faria o presente (ela odiava a futilidade e a insensibilidade de comprar algo que outras pessoas também poderiam ter - ela amava o sentido de único); seria a dona das palavras mais bonitas. Era incrível como fazia sempre seus amigos chorarem com seus votos, parecia que ela tinha algo pronto. Não era o caso, deixa-se bem claro; o sentido da palavra sinceridade ela também vangloriava.
    Então não seria estranho que às sete horas e vinte minutos daquela manhã, um pouco antes do começo da aula, o telefone dele tocasse. Ele olhou para seus amigos.
    - Só pode ser ela, já estava estranhando a demora.
    Ele atendeu, silêncio do outro lado. Desligou sem entender nada.
    Essa história se repetiu por mais algumas vezes. Ele sentiu falta da ligação dela.
    Foi aí que percebeu que estava esperando, o tempo todo, por essa ligação. Não é que sabia que ocorreria, o fato maior é que ele queria que ocorresse.
    Mas por que, de todos os seus amigos, ela foi a única que não ligou? Ele segurou firme o celular a manhã inteira. E a tarde também. Só não dormiu agarrado com o celular porque ele realmente não dormiu. Esperou até o último minuto do dia com esperança que ela fosse ligar. Ele abriria o maior sorriso, mesmo ela não podendo ver, e contaria sobre essa aflição toda que sentiu. Ririam juntos. Ele pediria para se tornar mais que um amigo.
    Bateu meia noite. O telefone não tocou. Um pedaço de seu coração não seria mais tocado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

também sei chover

    Era mais um dia chuvoso naquela semana. O que era estranho porque chuva era algo raro em nossa região. Foi nisso que eu fiquei pensando enquanto saía de casa para encontrar com ele. Meus passos eram inaudíveis, as gotas caindo sobre o guarda-chuva novo, que tinha comprado há somente dois dias, simplesmente pelo fato dessa chuva repentina.
    Nunca gostei de chuva, ela me entristecia. Por isso saí de casa e caminhava em direção da casa dele. Eu sabia que isso não mudaria meu humor. É claro que eu gostava dele, mas me doía vê-lo naquele estado. Mas eu devia ir lá, devia isso a ele e a tudo que ele me fizera até então.
    A chuva estava começando a aumentar, já estava molhada até meus joelhos. Queria de volta o tempo seco, mas sentia que a chuva estava me mandando um recado. Eu realmente sentia isso.
    Cheguei na casa dele. Entrei e tropecei em uma caixa. O que significava aquilo? Fui direto ao seu quarto, percebendo que haviam mais caixas pelo caminho. Não me importei em molhar a casa toda. Entrei bruscamente. Ele havia levantado da cama, porém todos aqueles tubos ainda estavam conectados a ele. Odiava ver aquela cena.
    - Eu sabia que você viria. - foi a única coisa que ele disse. Fiquei paralisada, ele estava sem força até para falar, mas mesmo assim estava de pé. O que significada aquilo? Ele tentou falar de novo. - Sabia que você entenderia meu... - A voz saiu baixa, não consegui entender o final.
    - O que você disse? - cheguei mais perto.
    - Meu sinal, sabia que você o entenderia.
    Sinal? Mas que sin..?
    - A chuva... - consegui balbuciar.
    Ele sorriu, um sorriso fraco, não era mais o sorriso que tanto adorava. Ele então passou por mim, beijou minha testa e saiu. Saiu para não voltar. Foi a minha vez de chover.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

paixão escrita

     Desde que se conhece por gente ela sabe o que é ter uma paixão. Sempre fora apaixonada: o cheiro de um novo fazia-a delirar, o barulho do virar das páginas era música para seus ouvidos, nada se comparava à sensação de liberdade que sentia quando adentrava esse mundo.
    Aos quatro anos já amava algo que a maioria em sua idade não conhecia. Aos dez conheceu a fundo seu paraíso, o maior do estado. Aos catorze, já viciada em sua paixão, começou a explorar outro ramo. Seu começo foi triste, literalmente. Os textos escritos eram sentimentalistas, parecia mais desabafos que não poderiam ser falados. Aos dezesseis conseguiu sua primeira história, sem nada pessoal sendo envolvido. Não conseguiu, porém, soltar os sentimentos; os textos continuam com uma gota de tristeza. Aos dezoito, como num passe de mágica da idade promissora, escreveu algo não-triste de que sentiu orgulho. Houveram outros pelo caminho, porém nenhum causou um sentimento de realização tão forte como esse. Passado os vinte e com a cabeça totalmente formada, seguiu carreira. Conseguiu o que mais queria: faria o que mais amava enquanto estivesse viva. Vontade não faltaria a ela.
    Atualmente ela ainda não chegou a esse ponto. Está ainda no meio do caminho. Tem toda uma vida pela frente e espera que seja como ela escreve em seu texto.