terça-feira, 7 de setembro de 2010

constante observação

    Estava lá só para observar. Ninguém me via realmente.
    Parti faz duas semanas e ainda estou por aqui. Lá em cima me disseram que ainda tenho que resolver algumas coisas, ver alguns fatos que eu devia ter visto enquanto estava viva. E não vi. Não vivi tempo suficiente, um jovem bêbado e inconseqüente tirou minha vida. E jovens como ele vão tirar outras vidas mais.
    Mas Eles me disseram que eu tinha que voltar, permanecer ali até eu perceber o que tinha passado minha vida inteira sem enxergar.
    Os convidados começaram a chegar. Todos se diziam meus amigos enquanto eu freqüentava essas terras baixas. Entravam gritando e festejando na casa de Alice. Considerava-a uma das amigas mais próximas, sempre vi isso em filmes e livros, deveria estar acostumada a esse clichê.
    Haviam chegado praticamente todos e eu ainda não havia entendi o porquê de Eles terem me mandado para cá. Era isso que precisava ver quando viva? Uma festa? Já tinha visto várias, curtido várias, por que essa em especial?
    Foi aí que Pedro chegou e, se meu coração ainda batesse, ele teria acelerado. Mas ele não estava como sempre esteve. Subiu direto, percebi que ele não estava ali pela festa, estava dormindo na casa da sua prima desde a minha morte. Estranho.
    Flutuei até o segundo andar, afinal era hora de aproveitar a parte boa de ter morrido. Já tinha cansado de andar, isso se torna tão chato quando se aprende a voar. Ou flutuar, tanto faz. Meus pés não tocavam os degraus, minha velocidade constante. Aquilo me fornecia uma sensação boa, uma energia extra que me fazia superar todo o meu sofrimento, e o das pessoas à minha volta. Ou pelo menos as que não estavam alegres festejando alguma coisa. Ver aquilo me doía, não sei onde, já que meu coração estava gélido e parado agora.
    Cheguei ao quarto de hóspedes, onde Pedro estava hospedado esses últimos dias. Alice entrou logo depois de mim. Pisou no meu pé, aliás, mas nenhuma das duas sentiu o incidente.
    Ele chorava, nunca havia visto ele assim. Ela perguntou o que estava acontecendo, ele explodiu.
    - O que tais achando? Nossa amiga morreu há duas semanas e tá rolando uma festa aqui em casa? - ele estava fora dos eixos, nunca o tinha visto assim. - Achas isso normal? Mais que normal, achas isso digno em relação a ela?
    - Ela não tá mais aqui, esquece!
    - NÃO!
    Mesmo se estivesse lá em cima ouviria o grito dele. Foi intenso. Uma lágrima correu por seu rosto, ele estava chorando por mim.
    - Você não vai superar isso? Esquecer... Seguir em frente?
    - Não. - ele foi seco - A gente só encontra uma melhor amiga na vida e eu a deixei partir sem nem dizer isso a ela. A saudade vai morar em mim para sempre, ninguém vai substituir nada disso. Nem ela. Nunca.
    Meu coração, que eu sabia que não tinha mais, se apertou. As lágrimas, secas e impossíveis de aparecer, escorreram pelo meu rosto. Senti uma onda de calor me envolvendo, uma luz muito forte vinda de lugar nenhum e me levando cada vez mais pra cima. Chegara minha hora. Era isso que eu precisava saber pra ir em paz. E fui, fui com a certeza de que voltaria a encontrá-lo algum dia em algum lugar.

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