sábado, 30 de outubro de 2010

provocação

   Ela destrancou a porta que dava para os fundos da casa. Era de vidro, mas como já era noite não conseguia ver se realmente havia alguém por ali. Sabia que seria rápido, só pentearia seus cabelos e voltaria para o filme que estava vendo.
   Ao abrir a porta, notou a presença de alguém ali. Reconheceu-o mesmo no escuro.
   - Ei, não esperava te ver aqui.
   Ele olhou para ela e sorriu. 
   - Estava com saudades dela, daí...
   - Sei como é - ela riu e começou a pentear seus cabelos - Sabe... teu amigo me irrita.
   - Aquele amigo ali? - ele apontou para o escuro. Ela deu um passo a frente torcendo para que aquela sombra não fosse o tal amigo ali parado. Analisou a sombra: mais alta que ela, mais forte que ela. Droga. Seus olhos começaram a se acostumar com o escuro daquele lado. Loiro, sorriso brilhando e, como sempre, desafiador. Droga.
   Os dois riram e ela ficou sem graça. Olhando para o primeiro, falou:
   - É, aquele amigo.
   - O que ele te faz pra te irritar tanto?
   - Incrível, sabe a hora certa de me provocar... - seus cabelos estavam quase completamente penteados; logo sairia dali. Só não sabia mais se era isso que queria.
   A sombra sorria, era isso que mais queria: provocar.
   - Então ele consegue te provocar... Engraçado, porque é exatamente o que ele sempre reclama que você provoca nele.
   - Ele reclama?
   - Tá na minha hora, eu acho... É, vou indo. Sinto que preciso ir. Fique bem aí com a escuridão, mocinha.
   Ele saiu rindo, sobrara ela e aquela sombra. A sombra se aproximava cada vez mais, com seu sorriso dando-a a impressão de iluminar toda aquela área. A provocação ia, afinal, recomeçar e de repente ela esqueceu de seus cabelos ainda molhados e do filme que estava vendo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

quero um fim para o fim

Tudo chegou ao fim. Se for ver, tudo sempre chega ao fim. E nem sempre ao fim que queremos. O fim que eu quero nunca foi o fim que terminou, porque nunca espero por um fim próximo. Gosto de continuidade. Gosto de um sentido ligado a outro, gosto das coisas entrelaçadas e caminhando juntas. E por isso não admiro o fim. Prefiro muito mais o começo, que com seus desafios torna tudo tão saboroso e tão inesquecível. Gosto de ser desafiada a começar algo que ninguém ainda começou, gosto do tentar, do descobrir, gosto de arriscar o que tenho. Colocar tudo a perder. Mas ao mesmo tempo não gosto de perder. Perder é o fim. O fim da batalha, mas não o fim da guerra. Mas o fim a qual cheguei hoje pela manhã não foi nem um fim de batalha. Foi um fim de algo no caminho... Um caminho ainda longo que tenho a trilhar e um fim que veio para marcá-lo de uma vez por todas. Mas eu não tenho direito algum de reclamar, algumas coisas só terminam porque permitimos que cheguem ao fim.

domingo, 24 de outubro de 2010

minutos pensando

O tempo passa quando menos devia. Vejo passado e futuro entrelaçados, e não sei se quero algum dos dois. Possibilidades surgem como a água que cai do céu, como se fosse natural. Meu sistema recusa tudo e todos. Sistema egoísta, teimoso e frio, que realmente não sabe o que fazer. Pode passar a maior imagem de antipático, mas no fundo só tem suas dúvidas. E mesmo sabendo que pensar nelas sempre acaba em um modo pior, é só isso que consegue fazer...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

tenho pessoas na minha estante

    Cada livro em minha estante poderia ser uma pessoa. Cada pessoa em minha vida poderia se resumir a um livro. Páginas e mais páginas que mais me envolvem a cada minuto que gasto tentando decifrá-las. Um novo desafio a cada linha lida. Um novo desafio a cada dia de convivência.
    Meu vício por livros, então, pode me transformar em uma viciada em pessoas. No ser humano e em cada face que ele possui, em cada movimento e cada expressão, cada nova linha atiça meu ímpeto curioso. Decifrar é um verbo presente em minha vida, presente sempre em meu livro.
    Em momentos especiais como esse, quando faço o que me faz bem, o que liberta meus dedos para voarem livre pelo local ao qual pertencem, basta só olhar para frente e ver algumas capas. Algumas antigas, surradas pelo tempo; outras novas, brilhantes sob a luminosidade artificial. Simples pretas e brancas, demonstrando seriedade e tristeza, ou cores vibrantes simbolizando o tão esperado final feliz. Olho para frente e imagino cada personagem saindo daquelas páginas escritas por amantes como eu e levando a vida que levo. Sobreviveriam eles nesse mundo? Aposto que sim. Cada personagem traz consigo o espírito de batalha, já que até mesmo em um conto de fadas perfeito, há obstáculos a serem superados. Cada personagem traz consigo o espírito de batalha, já que até mesmo em uma vida perfeita, há obstáculos a serem superados. Por isso admiro-os tanto. Tanto os livros como os seres humanos, que ao final de tudo, no último capítulo, resumem-se ao mesmo ponto: alguns agradam seu gosto, outros não; são julgados por suas capas constantemente, e mesmo possuindo conteúdos dos mais variados, possuirão sempre o mesmo formato ideológico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

abra seus olhos para o futuro

- Claro. Até parece que as coisas eram maravilhosas quando todo mundo era feio. Ou será que você perdeu essa aula na escola?
- Eu sei, eu sei. Todo mundo julgava os outros pela aparência. As pessoas mais altas conseguiam empregos melhores, e o povo votava em certos políticos só porque eles não eram tão feios quanto a maioria. Blá, blá, blá.
- Isso aí. E as pessoas se matavam por coisas como uma cor de pele diferente. - Tally balançou a cabeça. Por mais que repetissem aquela história dezena de vezes na escola, ela nunca tinha acreditado de verdade. - Então, qual é o problema de as pessoas serem mais parecidas agora? É o único jeito de tornar as pessoas iguais.
- Poderiam pensar numa forma de deixá-las mais espertas.
Feios - Scott Westerfeld


    É o que diz um livro "futurista". O mundo feio a que se referem é o mundo em que vivemos. Os tais juízes julgando a tudo e a todos a que se referem somos nós!
    Será que é isso que queremos para o nosso futuro? O tal futuro que todos dizem ser um lugar melhor realmente irá se transformar em um mundo onde para ser aceito você precise passar por uma cirurgia para reconstruir-se... trocar cabelo, cor dos olhos, pele e estruturação óssea? Espero que não.
    Não quero ser tratada como feia no futuro, nenhum de nós somos feios! Somos diferentes, isso é elementar, e são essas diferenças que eclodem nossas guerras. Está na hora de parar para pensar, um livro de ficção científica pode não ser tão ficcional assim. 
Abra seus olhos para o futuro, ser feio!

sábado, 16 de outubro de 2010

porta de sempre

    Ela sobe os degraus daquela tão conhecida escada. Prefere-as ao elevador, assim ganha mais tempo para pensar no que está fazendo. Como se ela não soubesse que não vai pensar em nada. Nessas horas o cérebro se desconecta do resto do corpo e parece não agir. Agir pela razão torna-se impossível.
    Segundo andar. Lembra de todas as vezes que foi com ele até esse mesmo lugar. De tudo que ouviu dele, de toda a ilusão que aquilo lhe causou. Nem de doce ilusão pode-se chamar.
    Terceiro andar e lembra dos momentos bons que passaram, do jeito que só ele conseguia fazê-la rir. Das piadas sem nenhuma graça que ele parecia ter na ponta da língua no momento que ela não queria ouvir gracinha nenhuma. Ela não resistia e ria.
    Quarto andar. Ela lembra do nervosismo do dia que se encontraram, de como, nesse momento, ela queria reviver aquele dia de outubro.
    Quinto andar e suas pernas estão quase doendo tanto quanto seu coração. Parece que achou um jeito de não sentir uma dor: criando outra.
    Sexto andar, porta 602. Ela bate, seu coração bate. Ela bate mais forte, mais rápido, mais alto; seu coração bate mais rápido, mais pesado. Ela não pensa em desistir, a única coisa que pensa é o motivo pelo qual seu coração insiste em bater sempre na mesma porta que se fechou.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

você

    Você, de amizade infantil e companheirismo. De uma viagem curta e marcante, de um dia-a-dia de muita conversa, de cumplicidade. De ingenuidade e inocência.
    Você, de um longo tempo, de timidez e insegurança. De um cara a cara quase inexistente, de uma promessa de eternidade virtual e de mágoa. De primeiras experiências e palavras inesquecíveis.
    Você, de confiança rápida e amizade não cotidiana. De ciúmes e confusões. De atitudes infantis e cara de pau sem limites. De nenhum ressentimento, de alívio pelo fim.
    Você, menor, mas não menos importante. Qualquer você aí pelo meio.
    Para seus conhecimentos, quando me perguntarem se estou amando, responderei com plena certeza que sim, porque depois de romances mal acabados, percebi que preciso viver minha vida apaixonada sempre por uma pessoa: eu mesma.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

pedaços pela rua

    Ela viu ele de longe. E era sempre assim que o via, sempre de longe. Ocorreria, como sempre, aquela troca de olhares tensos e os dois seguiriam seus caminhos. Como sempre.
    Mas nesse dia foi diferente, claro. Se não fosse não valeria a pena relatar.
    Ela passou em passos apressados, característicos do modo de andar dela. Ele estava sentado em um daqueles bancos laranjas nada discretos. Ela estava concentrada no assunto que estava indo resolver, e torcendo por dentro para que não visse ninguém por ali, não se sentia tão bem ali quanto há um tempo. Ele estava conversando com alguns amigos que ela também conhecia. Conhecia bem até.
    Ela continuava andando policiando-se para não olhar para o outro lado da rua, quando ouviu seu nome sendo chamado por uma voz que por muito tempo ela ouvia constantemente. Ela não olharia. Começou então a ouvir alguns sussurros, conseguia entender um pouco de alguns... parecia algum tipo de incentivo. Ouviu mais vozes chamando seu nome, mas continuou olhando para frente. E então uma voz que sempre mexera com seu consciente e com seu coração soou do outro lado da movimentada rua. Ela não ouvia mais os carros passando, um silêncio súbito inundou seu mundo naquele momento. Ela obrigou-se a virar. Ele estava parado de pé na calçada olhando para ela. Olhou para os lados, a sinaleira havia fechado. Seus pés se moveram e pisaram na rua, sua boca, porém, não se mexeu, não parecia que ele tinha algo a dizer. Ela respirou fundo, olhou para ele pela última vez e virou-se para frente novamente. Ao dar o primeiro passo, ela ouviu-o chamar seu nome de novo. A sinaleira abriu e em poucos segundos os carros invadiriam a rua e passariam por onde ele estava. Ela virou com o coração apertado, não lhe fazia bem olhar assim para ele, principalmente quando sabia que ele também a olhava. Buzinas soaram para tirá-lo do meio da rua. Ela olhou preocupada, mas logo seguiu em frente. Ele parecia querer atravessar a rua para encontrá-la, parecia agora decidido, mas o fluxo de carros estava caótico.
    Ela seguiu seu caminho. E estes foram alguns passos que, embora ela não sabia na hora, mudaram tudo dentro dela. Porque foi andando para longe dele e de seu chamado que ela finalmente resolveu não mais se preocupar com esse pedaço de seu passado, pois estava claro que havia um bom motivo para tudo isso não estar em seu futuro.

domingo, 10 de outubro de 2010

os melhores do mundo

"Quando eu era pequena, acreditava no conceito de um melhor amigo. Depois, como mulher, descobri que se você permitir que seu coração se abra, você encontrará o melhor em muitas amigos."

Peço licença para colocar aqui algo um pouco mais pessoal que todos os outros textos, mesmo sabendo que cada linha aqui traz um pedaço de mim.
Quero agradecer do fundo do meu coração aqueles que fizeram esse meu dia dez um dos melhores de toda minha humilde existência. Aqueles que desde o primeiro minuto deste dia me presentearam com seus abraços e seus beijos. Agradeço por serem quem são todos os dias pra mim, por seus risos e piadas, seus choros e reclamações, todas as ajudas e conselhos, por simplesmente existirem e me aturarem todo dia!
Agradeço pelo susto que tomei. Agradeço dezesseis vezes a Deus por ter colocado cada um de vocês, maneiros, venenosas e afins, em minha vida!

"Friendship is the only cement that will ever hold the world together."

terça-feira, 5 de outubro de 2010

de volta

   Ele olhou para cima, o sol o fez fechar os olhos rapidamente, aquela luz forte ardia seus olhos azuis. Suas pupilas quase não apareciam e seus olhos estavam parecendo o mais puro oceano. Quem passasse por perto (se alguém tivesse como passar por ali), poderia pensar em uma estátua. A única parte de seu corpo que se movia era seu tórax, seu abdome subia e descia regularmente. O vento batia em seus cabelo castanho; dia ensolarado e com vento era o usual de sua cidade, por isso ele gostava tanto de morar ali.
    Os pássaros cantaram. Era o primeiro canto do dia, aquele que o acordava em dias normais e que, às seis e quarenta da manhã de um domingo o assustou. Sua respiração acelerou, ele olhou a sua volta. Não havia nada além de uma borboleta. Ela pousou ao seu lado. Ele olhou para ela e no mesmo instante percebeu. Era ela. De volta à ilha deles.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

dez flores

   Eles já estavam juntos há um tempo. Quase um ano! E era muito tanto para um quanto para o outro; nenhum dos dois jamais houvera sentido algo como o que estavam sentindo nesse tempo que compartilharam.
   Haviam combinado de se encontrar nesse dia especial. Foram dez meses passando pela timidez, pela amizade e o dia em que assumiram a relação que fora escondida por um tempo.
   Ele chegou antes. Sempre dizia em seus discursos um tanto machistas que o homem tinha de ser o primeiro a chegar nos encontros. Esse ponto ela não contestava, o resto do machismo, porém, eles discutiram. Ela defendia seu sexo com unhas e dentes, era uma grande batalha entre os dois egos.
   E do mesmo jeito que esse pequeno problema foi superado, outros também foram. E isso a trazia até o Café da esquina da rua que se conheceram naquela hora da tarde.
   Ele estava na mesma mesa de sempre, com o mesmo chocolate quente a sua frente e o capuccino do lado esperando por ela. Sua mão estava para baixo e parecia esconder alguma coisa. Ela se aproximou da mesa e ele se levantou. Havia um buquê de rosas em sua mão. Ela abriu seu maior sorriso e recebeu as flores.
   - São dez rosas, uma representando cada mês que estou mais completo que nunca. - ele dizia isso da forma mais sincera possível, porém tinha um sorriso escondido no canto de seus lábios que com certeza queria dizer alguma coisa. E foi aí que ela percebeu que havia algo estranho. Das dez flores, nove eram naturais e uma de plástico. Ela olhou para ele intrigada. Ele olhou novamente para o buquê, ela baixou seus olhos para as flores em suas mãos. Antes que ela perguntasse, ele adiantou-se explicando.
    - Prometo que vou te amar até que a última delas morra.