sexta-feira, 17 de setembro de 2010

discurso

    Era o dia. Ou pelo menos teria que ser o dia. Minhas mãos tremiam. Ainda tremem enquanto escrevo. Mas tremiam mais às seis da manhã quando levantei porque não conseguia mais dormir. Andei pela casa. Tirei meu vestido da proteção umas quinze vezes. Vesti ele em doze delas. Com o sapato e as jóias foram sete. E em duas eu arrisquei o penteado junto. O discurso declamei mais de trinta vezes em frente ao espelho do banheiro. Me cansei e coloquei a banheira pra encher. Treinei o discurso mais uma vez. A turma inteira me escolhera, não podia falhar. Eu podia ter falhando em qualquer prova ao longo de todos esse anos, mas não no discurso. Tinha ele pronto, decorado. A banheira estava pronta. Entrei, relaxei por, eu acho, cinco minutos. Não conseguia ficar parada. Andei pela casa, podia andar de costas e olhos fechados porque já sabia desviar de todas as caixas. Estávamos de mudança além de todo o nervosismo da formatura, que também seria minha despedida.
    Assim passou o dia. Chutei a quina da mesa quando tentei andar de olhos fechados. Falei meu discurso mais algumas vezes. Eu tinha somente uma certeza: chegaria lá em cima, pegaria o microfone e falaria todas as palavras meticulosamente certas.
    Pena que não sou uma garota de certezas. Nunca fora.

Subi as escadas, cumprimentei o Mestre de Cerimônia que já havia se tornado meu amigo, de tanto que aluguei ele para ensaios. Posicionei o microfone à minha altura. Bati de leve, tudo certo. Era só falar o que tinha treinado. Se esquecesse tinha o texto ali embaixo em algum lugar.
    Foi aí que aconteceu. Me bateu aquela onda que ainda não sei explicar. Peguei o discurso que estava na bancada. Peguei o microfone. Dei uns passos, desci as escadas. Me posicionei na frente de meus colegas. Meus amigos. Coloquei o microfone no chão. Rasguei meu discurso. A reação foi única e instantânea: espanto. De todos que contribuíram para aquele discurso impecável. Soltei o que restava do discurso, deixei a perfeição cair no chão. Peguei o microfone de lá. Iria falar o que eu sinto. Mas o que eu realmente sinto? - foi o que eu pensei.
    - Todos nós sabemos que o fim está próximo e...
    Bateu o nervosismo. Por que diabos fui rasgar o discurso? Olhei para baixo. Realmente não daria para voltar atrás.
    - O fim de tudo que passamos está próximo. Vamos por caminhos diferentes. Vou sentir saudade de metade dos que estão aqui. Das conversas jogadas fora, descobertas, sonhos, risos. Dos momentos de angústia, vésperas de provas e finais de semana. De todo o companheirismo! Amizades não duram pra sempre, isso todos nós sabemos. Dentro de breves minutos cada um vai para o seu lado. Os dias, meses, anos vão passar. Vamos nos perder no tempo. Alguém um dia vai ver a foto que foi tirada para essa formatura e te perguntar quem são aquelas pessoas todas. A saudade vai fazer um aperto enorme no peito enquanto a boca se movimentará para falar uma das palavras mais nobres de nossa língua: são meus amigos.
    Silêncio. De repente, todos levantaram. Aplaudiram. Se estavam me aplaudindo? Não, estavam aplaudindo o sentimento que construímos nesse tempo vivido juntos. E então senti uma coisa escorrendo por minhas bochechas, algo que eu não sentia há tempo. Algo que me fez abrir meu maior sorriso e jogar meu capelo para cima. Todos fizeram o mesmo e a música começou a tocar.

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